29.6.12

Dunga, o Estragado



Só na madrugada do dia 24 de Junho de 2012 conheci a sua verdadeira identidade: Luís Valente Funjua. Antes daquela madrugada em que copos de cerveja faziam a confraternização com a minha exclusiva presença (pela primeira vez) na barraca da tia Vitória, a vizinha esposa do tio Manhiça, o polícia, não poderá imaginar que Dunga ou Estragado, nomes que desde criança ouvi os moradores da zona a chamarem-no é Luís Valente. Sempre soube que seu pai é o madala Fúndjua, no jeito suburbano de se dar os nomes, mas a informação não passava disso. Eu mesmo, quem saberia que sou Eduardo Quive se não fosse esses jornais em que ando a laborar, rádios e televisões que me chamam para entrevistas e opiniões? A propósito, hoje me estreei como parte da equipe do jornal @Verdade, mais uma dessas coisas que me fazem ser pouco escritor e muito jornalistas.
E por esta veia da profissão acabei de me lembrar de tirar umas fotos ao Dunga enquanto estava nas habituais sessões de toques, hábitos que mais ganhou depois de ascender para loucura, vencendo os longos anos de lucidez que tivera. É isso mesmo Dunga é um extra-lúcido. E será problema de nome?
Mas esta coisa de nomes é mesmo verdade. Conta-se desde a infância na zona sobre Estragado, Dunga, o filho de quem não se sabe, mas esse era seu nome. Estragado. E como era? Era um estragado em pessoa, se não fosse, então estragava.
Estragado, enlouqueceu na flor da idade. Colheu perfumes de mortos em plena vidisse. Alimentou almas profundas com seu juízo. Ficou maluco de verdade, o Estragado. Estragou a cabeça e já não batia 100.
Na zona a história é assim contada.
Um dia o jovem Estragado, arrebentou as calças, girou consigo mesmo e entornou palavreados pela boca que não tirava simples falácias. Delirava. Gemia. Balbuciava. Patinava. Alucinava. Falava sem provérbios o que nem se quer se entendia. Todos assustaram-se. Pegou no pai a 25, pelas golas. Carregou o velho igualando-o à sua altura de dois metros, mesmo com pernas arqueadas. Estragado era alto. Corria quilómetros de altura. E com seu pai ao mesmo nível de altitude, rebentou a voz dizendo: Afinal quem é meu pai?
É verdade. Estragado estava decidido a estragar o pai para saber quem era seu pai! Uma tremenda loucura. Como pode? Perguntavam as bocas famintas de curiosidades.
Entretanto, o velho espinluncava sob o domínio do ora emouquecido filho, o Estragado. Tremia, transpirado até aos calcanhares. Calculava os metros que o separavam do chão com temor e ansiedade. Temor de lhe ser emprenhada uma aterragem brusca e ansiedade em estar de facto no chão que o seguraria com mais conforto. Estragado ainda dungava o pai com ameaça de o estragar caso não revelasse o grande segredo. Cavilhava-o, sem dó. Amassava-o. Esticava-o a pele rugosa juntando-a com a camisa pela gola. O velho tremia no olhar da vizinhança boquiaberta. Estragado não era homem de cometer tal delito. Nunca se vira, muito menos se imaginara tal atitude por parte de tão perene gente que era o Estrago. Então dali saiam as conclusões, Estragado estava mesmo de juízo estragado.
Enquanto agitado o quintal, a mãe chega de trás. Estragado solta o pai de imediato e vira para a mãe com a mesma indagação – quem é meu pai, mamã? – e nada de resposta. A mãe apenas palavreava de um lado para o outro. Vociferou em tons de ameaça contra o filho, mas este continuava e mais agressivo ainda.
Então, na ausência duma resposta que o satisfazia, Estragado correu para a cozinha e de lá, veio a rua com uma faca. Cortou a pele. Viu que era pouco. Pegou numa lâmina e foi depenando-se centímetro a centímetro, para a dor da mãe, senhora já separada do pai e vivendo no lar doutro homem no bairro vizinho. Já com o sangue a espaçar-se pelos braços, vira-se a mãe, dizendo:
Olha, mamã… olha para este sangue e diga-me a que pai pertenço? Sou filho de quem? Diga-me a verde, já!
A mãe era redundante no falatório, contudo, nada dizia sobre o pai do Estragado. E continuava a sua loucura, estragando-se a si próprio. Até hoje, diz-se na zona, Estragado está maluco. Caso para entrar nos dizeres da população, os nomes fazem a personalidade do homem. Como pode Estragado ser nome de alguém que nem se quer é estragado? Consequência, agora estraga-se a si próprio, estraga o murro dos vizinhos, estraga corpos agredindo e etc.

Mas na sua loucura, Estragado também arranja, continua um bom pedreiro como aquele dos tempos da construção da barraca da minha casa e de muitas outras infra-estruturas a nível local e não só; Pintor e rachador de lenha, para além de ter boas habilidades para cabeceador de bolas e carregador. 

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