24.11.11

APRESENTAÇÃO PESSOAL

Presume-se que tenha nascido na noite de um sábado. Foi no oitavo dia do mês de Junho em 1991, enquanto Moçambique vivia a guerra de destabilização entre a RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique) e o Governo de Moçambique liderado pela FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique). Foi um nascimento em apuros. Sossego ainda não havia, até que se assinasse o Acordo Geral da Paz (Acordo de Roma) em 1992.
Chamaram-me logo de Eduardo. Nome a cargo da minha mãe. O meu pai, já com tantos filhos, estava cansado de dar nomes da sua génese. Escusou-se. E assim ficou Eduardo António Quive, isto é, nome inicial da responsabilidade da mãe, o sobrenome e apelido, a cargo do pai, como mandam as normas dos Ma Changanas.
Mesmo assim, apenas sou Eduardo Quive enquanto jornalista e de dia. Quando anoitece, em outras almas, me vem Xiguiana da Luz, em minha língua local, Xiguiana significa enxoval, um exemplo concreto de duas dimensões da vida: a surpresa boa e a surpresa má. Um dilema que travamos em toda esfera existencial, até os dias que não seremos mais nós e ai, nascerá Cruz Salazar, uma promessa que o apocalipse nos faz “a vida continua e a morte, é o exemplo disso”.
Nascido e crescido no bairro Patrice Lumumba, nos cantos da Matola, tão pouco me distanciei das artes.
Comecei pelas danças tradicionais (Makwayela e Xingomana) na Escola Primária Patrice Lumumba. De seguida, entreguei-me para a chamada arte de representar, o teatro. Desta arte não consegui me dissociar. Junto a minha escrita e, embora timidamente, ainda vagueio os palcos pelos lugares onde passo.
Encontrei-me com a palavra em todo meu percurso.
Descobri o imaginário mundo que os livros proporcionam. Encantei-me sem cessar. Cativado pela nostalgia da “Laurinda tu vás mbunhar” de Suleiman Cassam, isso antes de descobrir que esse conto faz parte do seu livro, “O Regresso do Morto” que depois vira descobrir que o meu irmão tinha. Consumi-o todo. Isso ainda com 15 anos de idade. Portanto, era o meu primeiro contacto com os livros literários. De seguida deixei-me embalar pelo “Xicandarinha na Lenha do Mundo” obra de Calane da Silva, figura ilustre que respira as artes. Delirei com os excertos que constavam dos livros didácticos, só que desta vez o meu irmão não tinha e levei comigo essa fúria de ler a obra por completo. Só aos 20 anos de idade, em 2011, consigo dinheiro para comprar o livro. Foram cinco anos de muita guerra. Confesso que passei dias terríveis sem o Xicandarinha (Chaleira) que ferve os corações da vida.
O gosto de contar estórias que tento alimentar com a minha escrita, tem um culpado. Esse culpado chama-se Nwa Mudewani, nome tradicional da minha avó materna, Carolina. As suas estórias que transcendiam do bem pessoal para o património cultural duma geração e que fazem parte de mim e levo-os sempre para as minhas eternidades. Eram Nkaringanas (estórias) contadas em volta de fogueira vulgarmente e justamente conhecidos por Xitiku Ni Mbaula. Foram noites inesquecíveis de Ka Maguvo, um povoado de Chicumbane, no peito do distrito de Xai-xai, província de Gaza. Aquecidos pela Lenha do Mundo, afugentávamos os mosquitos com as estórias da kokwani (vovó) Nwa Mudewani, acompanhados de Uswa (alimento feito a farinha de milho) e xitsakato (molho de verduras feito sem ou com pouco amendoim) qualquer. Comíamos a mão enquanto aprendíamos as leis da vida. Aprendíamos as estórias que nos fariam homens do futuro.
A poesia, não saberei justificar a sua origem. Poesia é vida.
Mas antes disto há um percurso antes já feito. Aos meus oito anos já era ardina. Envolvido na erradicação da pobreza que assolava e – tanto - a família, acordava cedo para vender jornais no bazar do bairro. Enquanto vendia, não conseguia evitar a leitura. Lia os leads (parágrafos guia) e até as páginas culturais que, na altura, mais do que informar, contavam histórias/estórias. Aí, sem me aperceber, surgia um jornalista. Este que hoje procuro ser já exercendo a profissão.
Contudo a arte é a minha missão enquanto vivente. Se sou jornalista ainda tenho as minhas dúvidas, mas artista, esse tenho a certeza que sou. Escritor…talvez um dia.
Depois disto, seria difícil dizer quem sou!
Apenas surpreendem-me os prémios literários que ando ai a receber. Nem versarei sobre eles. Acho que o que escrevo realmente tem um valor literário. Que assim seja.

2.11.11

Nyanga

E diante da multidão se expressara o curandeiro que se considerara ideal para o adivinhamento daquela que seria a virgem sagrada. A virgem que salvaria Nkomane do Deus me livre que vivia. O nyanga, fora das preferências confiadas pelo rei. Tal confianças, justificavam-se pela vinda deste de terras desconhecidas, associando-se a sua origem a coisa de deuses do além.
De facto o nyanga não tinha feições familiares e estava de requisitos completos para a nobre cerimónia da escolha da sacrificada donzela. Era Nguni. Alimentado pelos espíritos da água.
Expostas, estavam as mulheres cercadas por outras multidões que por decreto, tinham que presenciar o escândalo de pele nua que se assistia.
Foi dada a ordem para que o nyanga fembasse. Começou bebendo a água dos defuntos. Depois navegou em instantes de silêncio profundo, justificados pelo seu assistente, Malaquias, como um momento de solenidade entre o nyanga e espíritos celestes. Dali, sairia a verdade com os poderes dos deuses mais fiéis a ele. Estes que o conferiram o poder supremo dos adivinhamentos.
O silêncio prevalecia na tribuna de honra, rei Ngonhama, régulo Kuhanya, e outros homens conselheiros reais. A ansiedade entre os espectadores era maior, mas ninguém ousava entrar em conversações com o vizinho. Apenas monólogos.

O que será que faz ele ali calado de cócoras coberto do manto sagrado?
As suas mãos estremecem e os olhos transformados em bolas de neve… será que ainda vive?
E quem será a tal donzela que salvará este Deus me livre o infortúnio maligno.
Não mais queremos que se repita o fim que presenciamos, sem mais algo por fazer, por isso, se este nyanga vai mesmo encontrar tais espíritos que os encontre logo e saímos desta pouca vergonha instalada em plenos olhares das crianças.
Mulheres deste tamanho não deviam enudecer-se em frente de homens desconhecidos, só e só para achar uma ‘única rapariga?
E não se sabe que estas mulheres já se distanciam de tal donzelisse?
Quero só ver…
Lá vai o homem acordando do além que navegava. quem será a tal!

E o nyanga finalmente volta a terra. De olhos transladados para horizontes terrestres corre sem destino. Cospe inverdades e vibra de suficientes energias espirituais. Vai se saber já agora quem é a donzela. O nyanga vai fembar! Vai Adivinhar.
Agita-se para o lado do norte. Todos agora ficam de mãos na nuca. Todos – a plateia composta por homens em olhares à mulheres nuas. Norte em tradições destas terras não tem nada de sagrado. Apercebe-se o nyanga. Volta para o sul, mais para o lado direito e esquina-se numa mulher de idade avançada, do lar dos sessenta. O povo agita-se de susto.
- Como pode?
- Afinal não se está a procura duma donzela?
- Mas esta mulher está já cansada de dar filhos.
- De onde é este nyanga?
Todos resmungavam sob olhar ainda impávido do rei que depois ordena.
- Silêncio. Deixem o homem fazer o seu trabalho.
Calam-se os gritos da multidão, mas os murmuros, esses não foram possíveis de parar. E o rei volta a discursar.
- Silêncio. Com certeza não será esta a donzela. – Ordena para mais uma tentativa.
E o nyanga, mesmo fora de si, volta a simular delírios, desta vez mais convincentes, corre sem parar.
Cai. Para o espanto de todos ficara escolhida Nikotile. Pelo menos desta vez, a multidão conteve o susto, seria uma escolha justa. Nikotile, era nova e já mais se soubera do seu envolvimento com um homem.