Cartas de Amor


Xiluva I

Vira a idade a transcender-se de mim sem nada poder fazer.
As moças todas namoravam e os rapazes as tinham como coisa própria.
Eram todos contra todos como uma autêntica guerra de leões famintos, sem que se conceda perdão a nenhuma mulher se quer.
Enquanto isso, dentre várias histórias que se podiam contar sobre os fenómenos que dominaram a mocidade, me era impossível ter a Xiluva.
Não podia se quer desejar aquela flor mais cheirosa de todos os jardins dos amores.
O meu coração vivia e flutuava sozinho nas trevas do segredo de amar em silêncio, contorcendo-se da minha própria dor e desejo que em nada podia resultar.
Mas, nem por isso, deixaram de entusiasmar os meus olhos com o seu andar, muito menos, limitava-me de sentir o cheiro que ela soltava aos passos longos na zona, que aterrorizavam, ao mesmo tempo, os Muzondes, os Mabalanes e outros Tsopes, das redondezas.
Todos deliravam com os seus olhares e bailavam ao ritmo da sua voz suave mais que o ar do inverno, replicando-se a vingança da donzela que não olhara para nenhum rapaz na zona, muito menos eu.
Mas nem tudo estava perdido. Pelo menos tinha sua admiração por mim – o que a deixava mais próxima dos meus braços. Os seus elogios se referiam a mim como se não mais houvesse homens na zona, o jeito como dizia o meu nome e como olhava-me, faziam os anjos e demónios abandonaram os céus de inveja.
A cada dia que passava-se no bairro, os outros rapazes ferviam de inveja de mim e da sua admiração pela pessoa que muito eu era.
Também convencia-me que os seus olhos olhavam-me como o homem que podia satisfazer a sua fervura de donzela a procura de um rapaz.
Xiluva olhava-me com tanto amor, já mais visto na terra. Era uma revelação encima da outra, beijava a minha testa repetidas vezes num único encontro e esfregava o seu olhar molhado sob os meus olhos. Roubava-me todo o sossego e ficava com migo feito um bebé no colo.
Xiluva, atraía a todos e até os pássaros de outras redondezas, mas continuamente, aquela donzela desejava-me como nenhuma outra mulher.
Todos sabiam que era esse tal que ela queria como amante;
Todos cobiçavam o seu amor por mim, embora nunca se revelado;
Xiluva queria-me junto com a minha sombra, misturado com os meus defeitos: bons e maus. Queria saber de mim e da minha pobreza que diferencia-me de todos os homens conhecidos.
Chegara o dia em que o amor ia se consumar, e nos revelaríamos um ao outro, entre os desejos cegando as nossas mentes e ocupando com demasiado medo os nossos corações.
Antes que dissesse que amava-me, Xiluva só tivera oportunidade de sorrir aos meus olhos, molhar os meus lábios secos, embriagando o meu pensamento de escuridão e satisfação ao seu único beijo dado em vida.
Xiluva morrera naquela hora e nas minhas mãos, assim como nunca vivera nestas terras.



Beijo de Mulata

Rumores corriam na minha boca, trancada pelos lábios que se molhavam aos lábios de uma menina que com migo fornicou.
Não beijara ninguém antes, aliás, soubera de alguém que Adão e Eva o fizeram, mas em forma de pecado, não era divino o fazer sem que Ele autorize - Dizem os divinos.
Ao mesmo que se passava uma tempestade de calotes, olhando atentamente na doçura que não sabia qual, sem que a aprovasse com os meus próprios aprovamentos.
O meu primeiro beijo…beijo de Mulata.
Era ela que vira aos meus sonhos. Que antes pensara que era de criancice, mas não era.
Era mais é, sonho dos pretos ao mesmo tempo, sabia-se que não se devia tocar na filha de cor branca, muito menos a dos Ferreiras.
Não se podia tocar, brincar, muito menos namorar as brancas “gostosas” namoradas por homens sexuados.
Ninguém. Menos eu. Embora não tenha conhecimento da historicidade das intrigas que em tempo desuniram a humanidade: homens e mulheres.
E era assim: apenas que se convivesse preto com preto. Contaram-me os antigos.
Mas não crescera com essas profecias. Aprendera que ninguém se podia desigualar de alguém.
Todos éramos todos ou éramos ninguém.
Carla também era assim.
- Uma mulata misturada com negros?
- De onde é!!!?
- Nada de brincar com filhas de brancos!
Todos aconselhavam em jeito de ameaça.
Ninguém acostumara-se com uma branca que estivesse no meio de todos. Ninguém mesmo.
Nem eu me aproximara dela.
Mas Carla não era assim. Era uma branca com sangue de escravatura.
Que ninguém o duvidasse: estudava na escola de pretos pobres, que na maioria se apresentavam a escola esfarrapados e descalços; professores que batiam a todos, mesmo envermelhando a menina que se igualava à princesa Russa.
Não podia escapar do xibalo que os seus antepassados não tiveram.
Brincava com todos. Não se diferenciava dos Zé-ninguém nauseabundos.
Carla era como se fosse a escrava Isaura em si (escrava branca). Não desprezara nenhum preto se quer. Eu que o diga.
O problema mesmo… é que malta nós é que a tratávamos com uma deusice.
Todos os homens a desejavam.
Nenhum homem deixava de ser homem aos seus olhos.
Todos queríamos ser homens, incluindo a minha limitada masculinidade, que quando submetida a ambições sexuais se pode duvidar.
Era ela a Tchanaze, a donzela de Sena. Os homens se apaixonavam a cada passo que ela passava, as mulheres se enchiam de inveja ao seu vaguear pelas bandas e os defuntos, abandonavam as tumbas ao encontro da sua gostosice que fazia todos homens verter espermas pela boca.
Era ela a Xiluva em pessoa.
Não podia me desapaixonar dela.
Era ela.
Olhava para aquela mulher como se visse comida em tempo de fome, como se fosse água quando há sede.
A cada olho que olhava deixava de ser eu.
A queria como se de mim não quisesse mais.
Sentia-me a amar aos 12.
Eu morreria logo que a tivesse, para não mais amar.
Carla também me queria, eu sei.
Carla olhava-me como se alguma coisa fosse, eu via.
Os olhos dela diziam-me e eu ouvia.
Nunca mais vi o olhar igual.
Vi a menina se contorcendo de desejos de me ter como se fosse o inferno a espera dos pecadores.
Como se fosse o cemitério a espera de defuntos.
Nunca vira o olhar igual na vida. Era apenas o da Carla.
Carla amava-me, eu sei.
Isso era tudo que não podia duvidar.
Carla me beijou e eu não podia me imaginar.
Nunca antes sentira gosto igual.
Na mesma hora, ela dizia também o mesmo. Eu sei.
Carla amava-me.
Beijara aquela boca em jeito de sangue nos anémicos.
E eu os queria como os homens que a uma prostituta se exaltam.
Carla me amou naquele beijo. Eu sei.
Era o Beijo da Mulata em um preto como eu.
Foi um e único que tivemos antes dela se ir.
Ela foi e eu fiquei…fiquei aqui.
Mas um dia voltaremos a nos desejar como nunca e a Mulata, me vai beijar de novo, como nunca o fizera com alguém.



Manifesto de Amor
Para Vânia

Não sei me olhar sem antes olhar nos seus olhos e ver-me apossado.
Eu, que agora navego em insónias noites, procurando em algures do meu corpo, o resto do seu perfume, procuro em mim ainda, as marcas do seu batom, perseguido pela saudade do seu beijo.
Eu que nesta noite parei o sono em sua busca, agora escrevo, exímio de um poeta que está em mim, sem poupar palavras, sem cansar os dedos que ti escrevem, sem merecer socorro de que tanto chamo perdido de desejo de tocar os seus cabelos que tanto louvo.
Eu, exímio do poeta que se esconde nesta alma que ti quer, declaro-me neste manifesto, movido pela vontade de passar esta mão que segura o papel, na sua gloriosa cintura.
Eu, homem desconhecido de mim, declaro-me neste manifesto que se for poesia, tu és o verso, o meu amor irreversível.
E se tu me amas então não mais escreverei um poema de amor, amarei-te apenas.
Ama-me.

 Madrugada de segunda-feira, 03 de Outubro de 2011


A beira de um amor distante

Escrevo-te sentado ao relento,
nesta noite insólita, mendigo da saudade, escravo das boas lembranças que o tempo não leva.
Escrevo-te calado,
versando um possível poema, distante de ti e tão isolado de mim.
Escrevo-te sofrendo,
com o coração inundado de vontade de ouvir seus sussurros de prazer da vida nos meus braços
Ah! Que vontade de abrir no seu corpo o navio da minha embarcação e imigrar para junto de ti, com a euforia dos seus beijos de amor.
Escrevo-te longe,
dos meus olhos que ti procuram por perto, cheios de lágrimas para molher sua boca de vidas que procure no além de mim.
Escrevo-te
nesta noite fingido de mim, mas no fundo, não escondo um poeta que ti exalta em seus versos de amor profundo e sem tu para amar.
E agora que eu disse que ti amo, já não me tenho,
Apenas tenho a ti





Se nesta noite vieres!

Aqui me encontrarás ainda sentado neste escuro a sua espera.
Mais do que isso, meu bem, entregar-te-ia de uma vez, tudo o que lhe falta para conheceres este homem.
Negaria à qualquer razão que me não fosse olhar-te e reconhecer-te, sem que descesse do além.
Quando é que vens?
Julga-me se quiseres, mas não te distraias de mim, nem das minhas cartas que são o único privilégio para estar a qualquer momento nos teus braços.
Não quero com isso desperdiçar o amor que o seu coração ainda procura mostrar-me invisivelmente, entre desejos que a distância não consegue esconder.
Porque não me escreves?
Julga-me se quiseres, mas não te esqueças que daqui não saio sem ti.
Espero e suporto todos os invernos aqui sem lareira e sem luz.
Ah! Até a lua se cansou de ti esperar, mas quero que saiba que ainda estou aqui!
Sei que vens!
Escreva-me assim que receberes este escrito!

De mim




Tembi já era minha!

Provara aqueles lábios com sabor a mel um dia, mesmo submerso da minha imaginação, surpresa pela confrontação dos factos.
Provocara de mim aquilo que antes não sentira com nenhuma mulher!

Era Tembi!

As tardes escuras das ruas feitas de capim, faleciam sob andar redondo da menina que olhara apenas os homens desconhecidos, e desconhecido eram os seus belos tributos, vítimas da cobiça alheia, impossível de disfarçar entre os homens.
Todos a desejavam, os Adilsons, Valdos e Domominguinhos, sem esquecer-me do boasudo Fabião, assimilado para Fábio.
Olhavam-na com olhos engajados de cobiça!
Lambiam os seus próprios lábios e contorciam-se com o seu gingar, sem nunca mereceram um agrado.
Tembi, não olhara aos homens com os mesmos olhos da Xiluva, Nália, Yolanda e outras meninas da escola, como Sheila, Noémia e etc.
Eu que o diga. Sempre olhara para o rebolar do seu corpo, entre a cintura entulhada aos agrados e gestos confortados de delicadeza da sua fraqueza feminina.
Lábios carnudos e oleados, seios que ainda vinham ao mundo com demasiada timidez, olhos cor de laranja e nariz sempre de pé.
Todos gemiam ao seu cheiro de feitiço, parecia uma sereia caçadora dos pescadores dos altos mares.
Eram, xikwembos na boca dos maiores feiticeiros do Mambone, adivinhando o futuro de todos os homens e outros que a desejavam. Ninguém a teria.

Eu também a olhava!

Eu também a venerava como os outros Fábios e Domingunhos, das turmas!

A desejava como a mim mesmo nunca desejara!

Olhava para os seus lábios e sabia tudo que eles queriam: Um beijo como da novela, claro, dado por mim!
Mas não podia. Sei que Tembi, nunca olhara aos meus olhos.
Pelo menos, ela vivia ao meu lado, isso era tudo e me satisfazia, como os sons da flauta e xigubo que a minha terra despreza.
Os andares da Tembi, eram o coral dos anjos na terra que já não entende os vivos e não respeita os Ngungunhanes, Maguiguanas e outros! Um país póstumo este meu.
Eram os meus desejos sob o silêncio dos seus passos descongelados e escurecidos da vida.
Tembi andava com migo como com migo nunca andei!

Mas chegara o dia!

Numa tarde desentendida e diferente para sempre na vida dos meus beijos despercebidos!

Tembi me beijou!
Beijou-me, é verdade!

Nunca antes sentira coisa igual, como naquele dia!
Aqueles lábios já não eram da deusa, eram de espíritos bravios desconhecidos, que muito mexeram com as nossas bocas!
Não tinha beijado ninguém com igual satisfação, depois da Carla!
E foram assim os meus dias naqueles dias, ao lado da donzela que todos a olhavam sem desperdiço e sem saber porque, escolheu-me para efectuar o seu feitiço.

Beijo de Tembi é bom e é um feitiço sim!

Mas tudo era uma vez.
Na verdade, a donzela que é aquela menina, já não é.
Outros homens a desfrutam, e já era minha!


Era eu!

Procurava dizer-lhe o meu nome, antes de conheceres o céu e a terra, mesmo com o recrudescimento da humanidade a sua procura.
Nem mesmo os nomes que fizeram assumir tamanha realidade brutal de ser homem que não te conhece, conseguem dizer-me o seu apelido.
Procurava lembrar-me dos limites do seu corpo, o impacto do seu cheiro, e a doce voz das suas palavras, fizeram-me embrulhar-me em versos perdidos a sua procura.
Queria apelidar-te flor, ou Xiluva, mas sei que outros já chamam-te Sheila, Kayana, Iza, ou qualquer outro nome que com certeza não se iguala ao seu verdadeiro.
Era eu!
Que procurava-te em todas as noites de insónia, cheguei a passar o verão inteiro em Maputo, encharquei-me nas flores do Dona Berta, confessei-me aos sacerdotes e banhei-me nu no Índico. Nem com isso, seu nome conhecera algum dia.
Espreitei em todos seus esconderígios, mas nunca a conhecia e sei que de mim, nada importa-te saber, pois tudo já sabes!
E espero encontrar-te onde quer que estejas.
Escreva-me assim que receberes esta carta!

De mim


Sexo a sós

Rasgado de corpo e despedaçado de coração, procurando um alívio que ultrapassa a todos de volta para mim, cercando-me os caminhas de toda a eternidade.
Não procurara mulher, procurara um amor, não procurara sexo, procurara prazer, entre as mãos do mundo que navega oceanos cheios de ilusões e sereias enganadoras, mas que a todos atraem e seduzem.
No escuro a minha pele gritou, todas vozes se calaram e os nossos corpos poetizaram-se entre chamas que ardiam do mais profundo da alma, nas últimas chuvas do verão.
Dias antes, chamara-me de meu nome, mesmo na hora chamara-me paixão ou qualquer outra coisa que enchia-me de mais tesão.
Entre os quatro cantos do mundo, transmitiram-se por nossa via, a intercessão entre o ceu e a terra.
Nos quatro cantos do meu quarto, sob o teto de quem Deus não fez, nem diabo, nem ninguém.
Não éramos nós.
Fizera amor com todos os meus gostos e gestos.
Sem olhar para mim mesmo nem para ela.
Num autêntico vai e vem dos prazeres mais ocultos, com fama de serem bons e pecadores.
Nenhuma mulher fizera com migo sexo igual e de igual maneira.
Roçava-me o corpo todo e lambia-me até os cabelos.
Molhava-me o corpo todo com o seu calor e enchiam-me de desejo aos seus gritos de satisfação e glória procurada.
Embriagados com os nossos corpos, procurávamos o que o Adão e a Eva encontraram nas manhas da cobra maldita e rastejávamos como se fossemos a própria cobra amaldiçoada entre todos os animais selvagens, roubando-nos todos segredos e mergulhando no prazer já mais sentido.
Gritos de satisfação e de desejo pairavam entre nós.
Chamávamos socorros de nós próprios e evitando o pior: ejacular perante a tamanha satisfação que era sem fim.
São assim as minhas noites: eu e cama vazia, com saudades de qualquer amor que seja.