18.1.13

PRENÚNCIO DE UM ANÚNCIO E A METÁFORA DE SER MULHER


Xiguiana da Luz

Dou os olhos ao rosto. Emagreço o corpo. Há um vulcão que escorre-me por dentro. Calo. Sinto. Escuto a voz do rompimento. Mas não vejo. Não entendo. O que será esse rio que passa do meu corpo e deixa as margens repletas de dúvidas? Desassocio-me. Saio pelo mundo a fora. Há um lugar para mim em qualquer canto. Estou cheia. Porém, sinto a iminência de um vazio. Logo vazarei. Há um precipício que se aproxima. Um vendaval. Caio na cama deitado de costas. Estico-me. Levanto os braços por sima dos meus seios de menina. Alongo a barriga. Dá-me vontade de coçar o umbigo. Descontraio-me. Medo e dúvida. Tudo método do desconhecimento. Sou menina. Sou desconhecida. O que tenho por dentro é meu. Mas o que tenho por dentro não é meu. Não conheço. Não oiço. Fecho os olhos. Rezo à qualquer coisa. O que será? O silêncio. A humidade. Estou molhada. É por entre as pernas. O que será? Levanto as costas da cama fria. Miro o além antes de chegar ao destino. Estou só. De cabeça entre as pernas e os olhos no chão da cama, espalha-se o vermelho. É sangue. Sangue denso! De onde vem? Hemorragia! Vem de mim. Deverá ser o que vem de longe. Mas não sei o que é! Levanto-me com a pressa divina. Levanto os lençóis tiro as calças brancas ora envermelhadas. O corpo vence o sol. E outros olhos viram. É o mês. É o mês. É o mês. É vermelho. É sangue. Mas não é sague qualquer. É sinal de mulher. Sou mulher? Mas sou tão pequena! Tão menina! Não é hemorragia! É o mês mênstruo que chegou. Sou mulher! Abriu-se em mim a terra fértil por onde as águas turvas escorrerão com frequência. E na primeira chuva, a primeira semente brotará. Sou mulher, mas tão pequenina! Tão menina!

7.12.12

Duas canções da Primavera



Para Odete Semedo,
Conceição Lima
Filinto Elísio
Fernando Leão
Não conheço o nome destes versos
conheço as lágrimas que choras,
sei as cores que devotas
sei dos pés da sua mãe
e da janela por onde ela saiu quando partiu.
Vi-a nos seus olhos de cor de água,
são vermelhos? Veem o mundo? Choram?
Não. Cantam a voz da sua alma.
Nossa alma, irmã-mãe
das nossas ilhas do tempo por onde emigraram nossos pais
pelos ventos,
e encontraram-se nos mares.
Nossa voz, no berço das almas que militam os nossos padrastos ancestrais
futuros deuses de nós, nós que somos filhos de ninguém,
mas da cor da vida e morte que ainda não morremos.

IIª
A mátria poesia nossa

Em que palavras se dizem estas sinas?
Mergulhas nas almas de um céu no além,
ululosamente pedestres no nosso medo.
Que espaço essas vozes têm, nas terras onde nascemos e crescemos
cantamos e bebemos do sangue dos nossos ancestrais?
Pai-nosso, esta mátria terra de dissabores na espera sentada dos ventos do norte
de onde há de vir a primavera?
A primavera, irmã, a primavera!
Nossa voz, nosso tom, esta pele mátria,
no mátrio alimento dos deuses de ontem,
velozes e de longe,
na anatómica voz que nunca fala.
Nós e nós, todos sem nós,
os nossos solos mátrios, madrinhas do sol
que nos queima o estômago vazio
que nos raspa o esófago seco,
dentes entreabertos e rígidos da carne viva dos nossos pais e mães,
cães de ontem
hoje, soterrados na história e vivos na memória.
Quem os lembra? Quem os conhece?
nós irmã,
nós e a nossa voz,
os seus nomes, o barulho dos seus passos, os seus hinos,
conhecemos os coros que cantam de lágrimas brancas
longe como nós que partimos para dentro de nós
sem deixar a terra mátria,
terra pátria,
de homens, mulheres e deuses esquecidos.

Xiguiana da Luz, 16 e 17.11.12, Fortaleza

29.11.12

As lágrimas da vida, sorriso da Morte: um paradoxo entre a vida, a morte e Xiguiana Luz


Por: Lázaro Bamo[1]

Foi com grande honra que recebi a proposta de servir o wellcome drink do lançamento da primeira obra literária de Dodoca, nome com que é chamado Eduardo Quive nas ruas de Patrice Lumumba, mas que por medo da morte e do que ele mesmo escreve, prefere que nas lides literárias seja chamado Xiguiana da Luz.

Eu já li o livro dele em vários momentos, até antes dos versos desta poesia sinistra passar para o papel; eu li esta poesia nos gestos e discursos de Dodoca, ou seja Xiguiana da Luz, quando com ele trocava impressões em vários momentos no bairro Patrice Lumumba e nos deadline do programa Matolinhas, que ele chegou a colaborar; eu li este livro nas actividades culturais que este jovem oriundo de Patrice Lumumba, levava a cabo na Escola Secundária da Zona verde, arredores do Município da Matola.

Um aspecto relevante que pode estar por detrás desta escolha de Dodoca, Lágrimas, Morte, Sorriso, Vida, etc, é a morte do seu pai que aconteceu este ano. Paz a alma do malogrado. A morte do pai do Dodoca acontece numa altura em que este autor também deseja partir. Talvez a questão seja, porque uma apresentação sobre a morte do poeta e do seu progenitor? Esta é questão que os leitores farão a si mesmos e ao Xiguiana da Luz, porque nesta obra e pelas vertentes de abordagem sobre uma das fases mais cruciais da vida humana, a morte, Eduardo Quive nos leva a conhecer os dois lados da nossa existência num sentido poético repleto de sangue e terror.

Porque sangue? Quive vem escrevendo este livro já há alguns anos. Nos passeios e conversas dizia que escrevia sobre a morte, e em algum momento sentía-se que ele tinha olhos postos a precária saúde do pai, relatam os amigos mais próximos. Aí está um fenómeno de maior destaque na poesia deste jovem, a perspectiva profética do seu pensamento.

Dodoca, ou seja Xiguiana da Luz teve a sorte como muitos de nós, de crescer na Matola peri-urbana e ver e viver a solidão de muitas pessoas acompanhadas; teve sorte de ser vizinho da Matola rural e assistir a cerimónias fúnebres nos cemitérios familiares espalhados por Singathela, Bedene, Bunhiça, São Dâmaso entre outros bairros do Município da Matola. Uma pergunta se levanta em mim, ainda que a resposta seja óbvia! Terá sido esta realidade, que deu inspiração para que Xiguiana da Luz, escrevesse sobre a vida e a morte? No livro ele nos responde, no poema intitulado Miserável, onde fala do Manuelito, um louco do seu bairro Patrice Lumumba e lúcido em qualquer lugar.


Dodoca, envoca a morte, a vida, o medo e a incerteza para destilar a sua triste sina, que já o fez experimentar tantas mortes e tantas dores; ele não nos convida a amar a vida, mas sim a descobrir o prazer e a paz que se encontra na morte, ele auto se proclama um pré-falecido e diz que, sua alma foi possuída por espíritos da verdade, está engajada em sentimentos reais, foi engolida pela imaginação onde habita o milho da caridade.

Devido a obcessão pela morte, Dodoca, ou seja, Xiguiana da Luz, chega a fazer uma pergunta terrivel para qualquer mãe que carrega amor pelos seus filhos: Mãe, quando é que vou morrer? De certeza que a mãe irá dizer nunca, jamais, ou pelo menos que ela será a primeira. Ele não sente o prazer de viver, e aventura-se em sonhos filósoficos, sonha como o Hiperurâneo de Platão! Diz ele, e passo a citar: Queria ser assim: Negrinho de cor azul, em pele vermelha, num mundo verde.

Dodoca goza de liberdade de escolha e tem os seus motivos e argumentos, de tantos ente queridos que se foram ele aguarda desesperadamente na fila, para que o seu julgamento seja feito o mais rapidamente possível, ele quer se livrar da dor de esperar o tal dia que demora chegar, quer ser julgado imediatamente pelo poder divino e desabafa num dos poemas, intitulado Quando eu Morrer, quando diz e passo a citar: Metam-me com urgência na terra faminta que me vai comer com gosto; entreguem-me de imediato a justiça divina... Quer se juntar aos cardosos, craveirinhas e aos amin que tão cedo partiram desta terra. Além, de envocá-los no seu testamento paupérimo, que não tem nada além de versos escritos sobre o papel, Dodoca escreve no mesmo poema, ou seja, Quando eu Morrer, e passo a citar: Levai a minha amada para os homens; Os meus filhos que fiquem com o além; Levai os meus escritos para o povo; O que sobrar que seja para quem quiser.

Vejo nos poemas de Dodoca, que ele já morreu várias vezes, ele se declara um pré-falecido e para William Shakespeare, Xiguiana da Luz seria cobarde, porque segundo Shakespeare, Os cobardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez.

Sigmund Freud, ficaria feliz com a atitude de Dodoca, pois dizia ele que, Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte. E Dodoca está pronto para a morte, então as suas costas estão preparadas para carregar o peso da responsabilidade que apartir de hoje passa a ter, terá que dignificar o que escreve com actos e palavras e espero que no próximo livro possamos dessipar o paradoxo que norteia, a vida, a morte e os seus versos.

Xiguiana da Luz quer fugir da hipocrisia do mundo onde ele vive, mundo este que faz com que os manuelitos, sejam criaturas solitárias ainda que bem acompanhadas. Sobre esta fuga, Confuncio, alerta, Para quê preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro. E eu concordo com Confúcio! Dodoca, resolva todos problemas do mundo e depois faça boa uma viagem.



[1]Jornalista de profissão com carreira feita na Rádio Moçambique mas com colaboração em semanários como, Savana, Magazine Independente, Zambeze, @Verdade. Actualmente é Técnico de Comunicação no Centro de Apoio à Informação e Comunicação Comunitária – CAICC, um projecto do Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane, que apoia as rádios e centros multimédias comunitários de todo País

8.11.12

A morte de Eu!




Eu era forte e cheio de esperança em cada passo da sua vida. Limpo de cabelos crespos, Eu, era aquele que movia-se sem destino de cabeça erguida sem questionar as circunstâncias, sem medo do tempo, olhava a vida como única.
Espírito pluramente positivo, descia ao baixo para mais alto se elevar. Eu era aquele que era criança adulta na rua até as altas horas na procura de esgotar do produto de patrão Suzete, para ter quinhenta de comida em casa. Eu, era ele sem si quando anoitecesse sem que pudesse fazer algo para esquivar-se da vida medíocre que vivia no Xiphamanine. Lavrou a terra no Mambone, pescou na barra de Limpompo e sobreviveu os mais de sete afogamentos quando enfeitiçado pela velha M’Tente. Este menino Eu é mesmo esperto mesmo na pequeneza, conseguia enganar a vida como se engana um estômago faminto ao meio dia no Maputo onde se encontrava antes de morrer.
Treze dias antes da sua morte, Eu, passava pelo cemitério de M’Xitsena e bicava a sua única avó conhecida que morreu nas últimas cheias. As bocas sem silêncio contam que a velha morreu depois de lutar com a água na boca que teimava a entrar. Entrou-lhe por todo o sítio, pela boca, olhos, nariz, orelha, até pelos cabelos. O precioso líquido li valera alguma pena, pelo menos agora, morta a doze anos, Eu quando chega no Maputo na sua primeira vez, quis conhecer M’Xitsena para dar filori à vovó.
De seguida, como um passo para a frente, Eu, saiu para a rua e tentou fazer negócio. Fazia parte do seu eterno juramento que Maputo seria o espaço da sua subida e melhoria de vida. Ainda a pouco, lembrara-se da avó.
“Meu neto, quando você crescer vai ser grande, gente como aqueles que estão no Maputo. Viverás em casas sobrepostas, cartarás água pelo copo e não pelo bidom. Sairás em todos noticiários e viajarás pelo mundo como se tudo fosse teu.”
Incrédulo, Eu só volta a replicar a resposta que deu à avó na altura “Eu!?”. E assim ficou Eu. Eu morreu de susto como sua mãe que engoliu a terra na indecisão dos tempos futuros. Eu era mulato sem bandeira e sem país, filho de um candongueiro monhé cujo nome ainda se procura pelo mundo. Eu, era tão apátrida que nem em si tinha lugar para viver. Eu era só, sem ninguém, repartido pelas divisões do mundo transcendental das flores que beijam o dia e o sol que assa as costas pretas da sua avó, única garante da sua sobrevivência. Mas Eu, mesmo temendo-se no meio desse nada, cumpriu a sua meta, viveu e morreu ou vice-versa. 

19.9.12

Morte a dentro de segunda à sexta-feira


SEGUNDA-FEIRA

Acho que estou morto. Vivo morrendo, na verdade. Estou perdido dentro de mim. Não encontro o chão das coisas. Tudo o que piso são pedaços de mim. Errante e constantemente peregrino cavalgo terras e outros mares entre as veias saturadas. Estou com o cabelo inchado, os olhos, a boca, as narinas e os ouvidos cheios. Sinto que o meu corpo está todo cheio de alguma coisa. As vozes parecem-me encher ainda mais. Tudo está cheio dentro de mim, do Norte ao Sul. No Este não encontro oceanos e no Oeste nenhuma fronteira. Estou cheio de mim. Acho que vou explodir! Vou rebentar as vivências e deixar o vazio que é o nada que sou.

TERÇA-FEIRA

Muitas são as vezes que ando sentado, ambulante e pedestre nas mortes que morro todos os dias quando o sol abraça o meio-dia. Não terá enterro nem deposição de flores ao dia oitavo! Morri na hora e em parte incerta. Cavalguei o céu em tempos em que ele estava nu e de costas viradas, embarquei com o sol ao meio, diante de canaviais enquanto outras barrigas negras rachavam centenas de vãos. Morri sentado com a minha gente imóvel. Olho o infinito, conformado com a tão estranha morte que morri no romper do dia, quando ele atravessava o Vénus a caminho do Marte.

QUARTA-FEIRA

Metas. Morro às quartas como cidadão de quinta. Não retorno chamadas nem dou respostas às mensagens não lidas. Mahatma morreu sentado no seu norte. Morreu de fome de paz. Morreu de sede acorrentado de ideais. Era à quarta que idolatrava o seu ente infiltrado num país que queria-o liberto. Na verdade era urgente libertar o homem antes que a paz se instalasse. Ao inverso, no meu país a paz é dada com sobras e aos homens a derrota de nunca se saber do seu paradeiro. Mortos ou vivos tanto faz, muitas mortes ocorrem de olhos abertos. Morro às quartas vezes pelos quatro cantos que o mundo tem e pela quadrática forma de ser desta liberdade que me rodeia. Morro à quarta como cidadão de quinta cujo corpo deambula pela sexta como herói que vai a enterrar no sábado chuvoso e sem chapa 100 no Patrice que nos leve a Gongodzuene. Morro escoltado de gente que me desconhece com rosas e cravos nas entranhas da harmonia existencial. Fé de Cristo, de onde me conhece esta gente toda que só exige de mim, metas!

QUINTA-FEIRA

Deixo os céus enfermos renegados pelos olhos enfurecidos desde ao primeiro dia. Olho para o chão que se afasta. Rastejo na ilusão das areias indefesas da saliva ardente de bebidas fermentadas com veneno. As mortes que me escalam atingem-me dissolventes. Era suposto viver por mais um instante ainda na correria dos solos que se afastam de mim. Corro. Canso. Meros devaneios. Cuspamos já para isto. Cuspamos já estas vidas que comemos ao jantar de ontem. Cuspamos já os sonhos que bebemos na manhã de hoje. Cuspamo-nos já de nós mesmos. Puxa! Não é normal tanta birra enquanto gente vagueia sem rumo nestes mesmos chãos que pisamos. Aqui está a quinta vez que me calo, pelas muitas vezes que quero viver este fim do mundo. Que lutas se enlaçam na derrota quotidiana dos homens? Muita pressa em tudo que nos rodeia, a vida e a morte correm apressados em mesma direcção. Quem chega primeiro?

SEXTA-FEIRA

Não conheço outras vidas que andaram por estas ruas. Apenas mortos caminham o escuro desta noite abençoada, de barrigas cheias de sangue e limão; corpos nus elevados ao mais infinito estremo da loucura, pé e bunda sarados, corpo e cabeça inchados, olhos e cabelos na pura lengalenga dos homens decepados antes do sol do sábado que ameaça antecipar-se. Vigarices! Estes mortos morrerão aqui e agora ao relento, como os ventos insolentes do Norte a Sul, rabo e juízo comprados pela bilha farta e carnes gordurosas. Compaixão às mulheres que rezam por esses defuntos homens, no dia em que hão-de morrer de tanta felicidade de ser pobres. Incrível! nunca vi tanta morte de uma só vez! Esta é a única chacina em que Deus deixou que os homens terminassem o trabalho antes de consumarem o seu instinto mortífero.

SÁBADO

Mesmo que o dia amanheça, não há luz nem energia; mesmo que o corpo se levante, não tem voz, não tem gesto, não tem vida. Mesmo que o dia amanheça, não haverá noite porque o escuro é este, não haverá gente porque as gentes são estas moribundas, não haverá a vida, porque o fim é este, a muito já escolhido pelos homens da terra. Vivo, a muito enterrado, morto, apenas a repetição da loucura que une os homens. A certeza de que morri e nada mais sou.

DOMINGO

Madrugada chuvosa. Manhã gelada com gente cantando. O mungir das almas espeta o sol frio e gelado. Flores fazem a decoração perfeita entre o jardim de rosinha e as campas seguidas de abelhas. Não há sossego nestes chãos. Em nada adianta o além. Aquém de nós está um Deus que nos cospe as fórmulas da morte de tempo em tempo. Deus nosso? Se não vejamos, onde está o tio Pedro, pai de Netinho e do pequeno Leão? Onde estão os assassinos da mãe da Yolanda que se quer teve quem lhe dissesse que tantos filhos aos 18 eram o prenúncio da pobreza? Em que lugar se encontra o pai do Abel que não o vê a crescer e a formar-se? Estão todos eles na igreja? Ah! Deus nosso que no céu Te encontras, estás cansado de estar só? Leva-me também.