Xiguiana da Luz
Dou os olhos ao rosto. Emagreço o
corpo. Há um vulcão que escorre-me por dentro. Calo. Sinto. Escuto a voz do
rompimento. Mas não vejo. Não entendo. O que será esse rio que passa do meu corpo
e deixa as margens repletas de dúvidas? Desassocio-me. Saio pelo mundo a fora.
Há um lugar para mim em qualquer canto. Estou cheia. Porém, sinto a iminência
de um vazio. Logo vazarei. Há um precipício que se aproxima. Um vendaval. Caio
na cama deitado de costas. Estico-me. Levanto os braços por sima dos meus seios
de menina. Alongo a barriga. Dá-me vontade de coçar o umbigo. Descontraio-me.
Medo e dúvida. Tudo método do desconhecimento. Sou menina. Sou desconhecida. O
que tenho por dentro é meu. Mas o que tenho por dentro não é meu. Não conheço.
Não oiço. Fecho os olhos. Rezo à qualquer coisa. O que será? O silêncio. A
humidade. Estou molhada. É por entre as pernas. O que será? Levanto as costas
da cama fria. Miro o além antes de chegar ao destino. Estou só. De cabeça entre
as pernas e os olhos no chão da cama, espalha-se o vermelho. É sangue. Sangue
denso! De onde vem? Hemorragia! Vem de mim. Deverá ser o que vem de longe. Mas
não sei o que é! Levanto-me com a pressa divina. Levanto os lençóis tiro as calças
brancas ora envermelhadas. O corpo vence o sol. E outros olhos viram. É o mês.
É o mês. É o mês. É vermelho. É sangue. Mas não é sague qualquer. É sinal de
mulher. Sou mulher? Mas sou tão pequena! Tão menina! Não é hemorragia! É o mês mênstruo
que chegou. Sou mulher! Abriu-se em mim a terra fértil por onde as águas turvas
escorrerão com frequência. E na primeira chuva, a primeira semente brotará. Sou
mulher, mas tão pequenina! Tão menina!
3 comentários:
Lindo demais!!! Um momento muito especial para uma menina, mas que vem cheio de dúvidas, pois enquanto ela é ainda uma criança para certas coisas, já é uma adulta, e pode gerar um filho. Lembro-me de que minha mãe me disse, quando menstruei, aos onze anos: "Cuidado... agora, você já pode gerar um filho!"
Olá Ana,
Os meus agradecimentos pelo seu gentil comentário. É realmente emocionante ouvir seu textemunho.
Confesso-li, mesmo em exclusivo, que nunca senti essa sensassão de ser criança e adulta. Na verdade nunca senti os feitos de ser mulhr. Apenas lembrei-me de uma moça de 20 anos de idade que está a passar por tempos difíceis e tem vindo conversar comigo, pedindo conselhos e ajuda.
Então em vez de julgá-la, apenas deixo-a falar, falar de si e dos seus problemas. Deixo-a chorar a vontade. Ela tem essa vontade, então pode chorar. Deixo-a sorrir quando quer, aí até ajudo. Então depois de se descontrair ela conta-me como é ser mulher. Quando é que as portas se abriram para que ela fosse esta mulher, mas tão nova ainda. E no silêncio da noite, seaem-me estas palavras que volto a mostrá-la. Ela cala-se e tira mais uma lágrima. Depois me pergunta – alguma vez já foste mulher? – pelo que responde, não, obviamente. E ela diz – bem que te pareces. Então eu digo, tu é que escreveste este texto. Ela – eu?. Sim – confirmo. Porque isto é fruto da oralidade. Ela contou-me e eu escrevi. Infelizmente ela não teve a mãe para li dizer que já é mulher.
Grato pelo comentário e por esta conversa que já iniciamos.
Abraço forte desde Matola, minha cidade aqui em Moçambique.
Oi pode comprar o livro na livraria Minerva em Maputo (baixa da cidade). Custa 200 Mt.
Obrigado pela leitura amigo Chico (Xicuiana, como bem se diz na nossa amada terra)
Com carinho de
Xiguina
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