28.3.12

“Os Territórios da Poesia”


Por Eduardo Quive


Palavras aludidas e iludidas só a si conhecem e reconhecem. Só, em si, se encontram e reencontram.
No universo somente o verso se conhece. No universo e em cada um dos seus componentes acham-se rastos duma poesia que passou e confirma-se a sua existência.
Se para onde foi? Para lado nenhum. Ela está e vive. Só isso. É palavra no mundo, o inverso no universo e a poesia em gentes da Terra. Esse é o território da poesia.
Mais de sete biliões de pessoas no planeta. Esse é o espaço físico que a poesia ocupa. Um bilião e 400 milhões de quilómetros cúbicos de água. É esse o espaço físico que a poesia ocupa.
Mas também, desconheço a sua superfície. Sei que as águas, os animais, a Terra e o Céu fazem o planeta. Esse é o território da poesia. Juntamos as terras, oceanos, sem fronteiras nem identidades e todos os povos. A poesia é um estado sem nação. Apenas ela.
Talvez seja por isso que ela é solitária. Tão só como o nada. Tão transparente! Tão inodora! Tão intangível! Tão ilegível!
Todas estas características que me atrevo a chamá-las de “nenhumidades”, tornam esta arte em nada. Simplesmente ela, só onde estiver.
O nomadismo da poesia importuna a sua exogenação. Ela passa a ser endógena. Envolvente. Feliz daquele que compreender a poesia e como ela ser. Deixar-se fluir no universo como seus versos. Deixar-se ser inverso como seu rumo. Estrofe como seus sonhos. E poesia como ela sempre quis ser. E não poeta como tem sido.
Tão imaterial é a poesia! Um indomável herói das inexistencialidades.
Uma coisa tão sem cor como a poesia em nenhum povo seria gente. Em nenhuma terra seria casa e em nenhumas águas seria peixe. Diz-se na minha terra à gente desentendida, como poetas – “Umpswaka”.
Gente de coisinhas
Gente que se irrita por nada e por alguma coisa não se entende.
E é por isso que não se entende o poeta que é Manuelito?
Miserável, Manuelito passa fome. Passa frio. Não tem vizinho. Vive só. Sem tom nem voz. Ao relento – nas esquinas do Patrice – como esqueleto. Quando quer é alegre, mas sempre se entristece. Geme de frio lambido pela fome. Anda. Fala. Mas não sente, nem ouve. Apenas vê. E só vê o que vê. Vê o que quer. Brinca com quem quiser, mas ninguém é seu amigo. Todos o conhecem, mas ele, a ninguém reconhece. Às vezes canta, mas não entoa hino nenhum.
Manuelito é ninho sem passarinho. Caminho sem gente. Ngalanga¹ sem dança. Terra sem nação. Vive sem noção.
Manuelito não tem razão.
Vive sem protecção. Mas é gente. Sofre com o que não sente. Chora por quem não conhece. Seu dia não amanhece. Todos o conhecem, mas a ele, ninguém reconhece. Por isso que enlouquece.
Manuelito é louco no meu bairro e lúcido em qualquer lugar!

1.      Ngalanga - Ritmo de uma dança tradicional, originária do sul de Moçambique
A poesia é um feto em constante gestação cujo território é o ventre duma mãe desnutrida que se chama poeta.
Dentro, ainda nos pertence, mas quando vem para fora, transcende e desfaz-se dos seus senhores. Galga pelos caminhos invisíveis e flui entre chãos incalculáveis, inspirada nos rumos do além que moram no horizonte.
E ela, só é feliz assim, quando vagueamos sem eira nem beira, à procura do melhor examinador, enquanto, na verdade há muito já recorremos à introspecção; tornámo-nos cúmplices do tão meigo e pacato ser, que nem se quer o conhecemos; voamos em delírios de tentar compreender o incompreensível! E diz no sabor da sua inquietação do Tales de Mileto, na máxima milenar – “Conhece-te a ti mesmo”. E a quem nós devemos conhecer?!
Poetas errantes que nos julgamos donos do que não é nosso e que nem sabemos onde está. Outrora fingidos de psicanalistas fugimos de nós mesmos e repelimos fantasmas do nosso sentimentalismo. Mas há-de o mundo chegar-se à nossa arte e saber colocá-la no seu devido lugar!?

TEXTO A SER APRESENTADO NA BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA-LUANDA 2012
Kanimambo!
Muito Obrigado!

POEMA (SEM TÍTULO)



Na rua
Extra conjugado do nada
Em antagónicas partes
Só este poema nasce

Sem fonte
A fome agudiza o meu ser
Ser do nada que sou
Ser do nada que quero ser

Impretéritas líricas
Tripulam do Vénus ao Marte
Na sintáctica do voo
Endógenas do vento latejante em ruas a fim.

Outras bermas só nadices no prólogo dos seres
Que não sou, é gente
O que não serei, é poeta
Mas apátrida, por estas ruas alcanço-me.

Embrulho estomacal
Entre as luminosas galáxias
Jazem os sufixos no posfácio da minha morte
Antes nem se debruçassem estas ruas pelos seres que sou
Se seria pelo ser que quero ser
Seres de mim
Que nestas ruas zanzam nas bermas duma gentil senhora:
De pernas abertas
De minissaias
Bexiga cuspida
Pernas rugosas

Com o chão ingerindo fumaça
E espuma saindo entre suas pernas
Amaldiçoam-se os céus que se mantêm escuros
E ai de mim,
Poeta ainda por ser gente, embarcar nessas bermas
Ai de mim alquimista inorgânico entre seres que não sou
Ai de mim…