16.6.11

Homens e mulheres

Sexuados.
Todos querem se ver molhados,
Validos se excitando,

Ao celular,
Pelo andar,
Pelo vestir,
Pelo olhar,
Pelo falar,
Por tudo.
Belos e perigosos.
Gatos e ratos.
São amigos?
Vizinhos?
Colegas de turma ou de trabalho?

Desconhecidos e conhecidos,
Compadres e comadres,
Padrinhos e afilhados,
Pais e filhos,

Todos molhados por todos.
Homens e mulheres.
Sexuados como Adão e Eva,
Traidores como Judas
Amantes como São Valentim.

Escurecidos pelo mundo e enfurecidos como a carne.

Sexuados.
Todos contra todos.
Como patas, patos, filhos de patos e patas, sobrinhos e sobrinhas de patas e patos, tios e tias de patos e patas, avós de patas e patos, e etc.
Todos patos.
Sexuados como ninguém.

15.6.11

Vícios da modernidade


Clandestinos
Ridículos como o céu que despe os homens em pelo olhar da terra
Imundos como a pouca vergonha que nos engole a identidade

Varizes da vaidade que perturbam as moças da minha terra
A cinta baixa que leva a juventude a nudez nos olhos da sociedade
Jovens… homens e mulheres… mais uma herança perdida

A garrafa engolida entre as pernas coloridas dos homens
As pernas que se depenam na saia curta
As ancas que negam a capulana


Oh! Tsomba lo lusa Madala wanga!

Vícios da modernidade

O Madala Mhamba grita sem voz,
A minha velha trocou a enxada pela esmola
O puto já sonha com a lotaria
Mandou fumar a alfaiataria
Agora só vive de pirataria
Todos dias engrossam na cervejaria
Burlas na bocaria
Sob olhar impávido da bufaria.

Os meus putos…
No alcance da civilização agora
Querem ser modernos

E o Madala Nhanga
Antes curava doenças
Agora...
Já com esquina na avenida
Cura desemprego e solteirice.

Os Tinlholos…
Partiram para o tempo com a minha amiga Xitchuketa
Agora ficaram outros
Ficaram outros…

Eis que também irão
E ficaremos nós…
Os matrecos

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Pequeno Glossário

Tsomba lo lusa Madala wanga – Fortuna perdida meu velho
Madala Mhamba – Velho Rituais
Madala Nhanga – Velho Curandeiro
Tinlholos – Búzios
Xitchuketa – Dança/ brancadeiras entre criança.

7.6.11

A Virgem Sagrada


Outros demasiados séculos se passaram antes que o inverno imperasse na zona.
Renunciara-se antes, os deuses dos sacerdotes e dos Cabrais e elegera-se o rei Ngonhama (1) como o régulo mais rei do Deus me livre, como se antes não fosse!
Mas motivara-se a sua acessão ao rei Cuhanha (2), como coroamento do seu trono que era promissor e demasiado aterrorizante o suficiente para proteger as terras que já eram designadas Livre-me Deus, tendo na mesma altura, se elegido duas raças humanas distintas: as donzelas e os não me toques, cujos seus deuses divergiam, igualmente.
Era o princípio do fim das misturas entre as impurezas e as mulheres que seriam do futuro mais promissor da terra e inventariam um Deus me livre que trouxesse mais deuses poderosos, com potenciais para conquistar outras redondezas.
Acreditara-se desde os anos descendentes que as donzelas eram as maiores e melhores feiticeiras que as terras podiam produzir com tamanha produtividade e excesso de conquistas sem fim, principalmente, se se efectuasse o sacrifício da donzela mais frondosa, oferecendo-a ao homem mais forte da zona, que não ejaculara nunca, e se uniam na noite do luar mais inominado.
Todos concordavam com estas deontologias satânicas e promissoras, compro metendo-se a não abandonar as tradições mais antigas dos deuses da sorte e prosperidade.
Os não me toques também foram distinguidos dos Zé-ninguém e de outros adimonizados, foi como se tivesse separado a água do óleo. Estes já nasceram diferentes.
Aproximavam-se outros tempos em Deus me livre. Acompanhando o abandonar das tradições que já ganharam e tomaram espaço entre as raparigas de Maputo e doutras cidades. Passava-se da era dos acontecimentos, tendo se assinalado no próximo século com a ascensão dos não me toques e os seus respectivos deuses.
Contara-se que os não me toques sempre foram intocáveis. Nunca alguém os pudesse tocar, nem eles mesmos, podiam o fazer... sob decreto nenhum!
Nasceram numa altura em que o Deus mais poderoso distribuíra os poderes mais satânicos e temidos da terra, por isso foram sempre temidos e aveniados, como um ferro quente. Nunca antes se vira coisa igual!
Nem mesmo o Umbeluzi (3), com a quantidade de crocodilos já foi tão temido algum dia, muito menos o Zambeze com a sua energia eléctrica dispersara gente da sua aproximação, pelo contrário, pela natureza da desgraça, as maiores comunidades, são dependente de tal água para sobrevivência, mesmo a cada dia haver relatos de mortes.
Cada vez mais a verdade se expressava na vida dos nativos. As donzelas tomaram por outro lado, o seu poder, na noite de transição onde, habitualmente, faziam-se grandes mudanças na zona. As virgens perdiam a virgindade, as corujas tomavam o espaço e outros terrores faziam-se de habitantes em todo Deus me Livre.
Juntando todos os feiticeiros, desde o nordeste ao sudoeste, mesmo passando pelos céus e pelas terras, escavando qualquer verdade que fosse, mas nenhuma donzela seria descartada. Nenhuma mesmo.
Mandaram encerrar todas as fronteiras, principalmente a mais infernal, do lado da vila do Leproso, para não permitir que nenhum ser humano daquela espécie se fizesse presente nas escolhas e para não aborrecer os deuses que consagrariam a distinção, tão esperado.
Seria uma cerimónia que contaria com a presença de todos os espíritos mais temidos.
Prepararam todas as mulheres da zona, incluindo as mais férteis, como as esposas dos casa sessenta e cinquenta, que pareciam um jambaloeiro de tanto dar filhos, aliás, foram assim chamados porque constituíam famílias com esses números, Sessenta e cinquenta. Essas nem mesmo os cegos as desconhecem, mas tinham que estar lá, na lista de adivinhamento das virgens sagradas.
Recolheram todas as mulheres, incluindo os bebés mais recentemente nascidos. Não podiam em hipótese alguma a virgem não se achar.
Estavam todas no centro da vila, nas palhotas da praça dos deuses, lugar sagrado que fizera a vila merecer o Nome de Deus me livre, bem em frente das matas de outros Swikwembos (4) e estavam nuas, do jeito como chegaram a aquelas terras.
Todas estavam sem roupas, feitas de galinhas depenadas na sexta-feira santa! Nunca antes vira coisa igual. Todas as mulheres estavam expostas aos olhares dos homens, alguns não tinham coragem. O Padre Couto, não tivera coragem de olhar para a mulher com a qual trai o seu deus, por outro lado, o a honra de outras raças nobres estava em causa. Todas as mulheres estavam lá.
Filhos que olharam as suas mães em estado de nudez atormentador, e o rei Ngonhama, todo atento aos detalhes de cada mulher.
Nunca antes vira o corpo de uma mulher com tanta inteireza! Nada estava oculto, o rei fazia questão de confirmar.
O Deus das donzelas e a virgem sagrada descobriram-se naquela assustadora cerimónia, recheada de verdades, antes obscuras em muitos olhos.
Pousaram todas as mulheres do Deus me livre, algumas com peitos a bater os joelhos e outras mais lisas que uma parede.
Surge uma voz repentina no meio do silêncio!
- Grandes homens, mulheres e mais novos. Deuses dos mulungos (5) e dos Ngonhamas. Deuses dos Ngunis (6) e outros espíritos das nossas terras. Eis as donzelas...
- Faltou o envocamento dos nossos deuses! Reclamaram de imediato os espectadores da cena.
O rei silenciou-se perante os gritos que vinham de forma abstracta, mas eram vozes diferente reclamando o envocamento dos seus deus mais supremos.
- Nós somos os Ndaus (7), mas não ouvimos os nossos deuses!
- E os Ngungunhanes (8), Zuid (8), Nwamatibsana (8), nós é Changana (9) e Ronga (10)!?
Todos e outros reclamavam, incluindo os macuas e Macondes (11) que também viram os seus filhos a tombarem para a libertação daquelas terras!
O rei não sabia o que dizer e determinara instantaneamente!
- Esta terra não é dos Ndaus, nem dos Changanas, e se mais um quer reclamar, mandarei os feiticeiros mais temidos e confiados para os amaldiçoar. Vocês são imigrantes desconhecidos. Deus me livre não é vosso – Disse.
Retomando ao seu discurso e sem mais interferências, proclamara.
- Daqui sairá a donzela de que se precisa para oferecer os espíritos para o sacrifício que salvará os filhos desta terra, e mais nova delas, será sacrificada para o mais poderoso homem na noite mais próxima de lua cheia.
Iniciava-se assim o rito que punha a prova o feiticeiro de confiança do Rei Ngonhama para adivinhar quem são as donzelas e que de seguida o faria sobre o respectivo Deus que mereceria o presente sagrado.
E foi assim, até que se distinguira Mhoki, como o Deus representante mais supremo das mulheres preparadas para o futuro do Deus me livre e escondera-se a divida mulher para o sacrifício da noite de luar.
Assim, As trevas estavam libertadas para dominar naquelas terras e o céu se encheu de escuro que até hoje conduz os destinos de muitos. Nem todos a reconhecem como a terra do Livre-me Deus, mas a verdade é que os dias já se passaram e a virgindade depois de passar por muita valorização, passou a ser a meta que nenhuma mulher quer atingir, e a sociedade, essa, nem se quer a valoriza mais.
Seus os dias que passaram…




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Pequeno Glossário
1. Ngonhama – Leão (também usado como nomes tradicionais em Moçambique)
2. Cuhanha – Viver, vida.
3. Umbeluzi – nome de um rio que atravessa a província de Maputo.
4. Swikwembos – Deuses, espíritos.
5. Mulungos – Brancos (em XiChangana, língua predominantemente falada nas províncias de Gaza e Maputo, no sul de Moçambique)
6. Ngunis – Tribo da região centro de Moçambique, concretamente na província de Sofala.
7. Ndaus – Idem
8. Ngungunhane, Zuid, Nwamatibsana – heróis combatentes da zona sul de Moçambique, no antigo império de Gaza.
9. Changana – Tribo da zona sul de Moçambique, concretamente na Província de Gaza.
10. Ronga – Tribo da zona sol de Moçambique, concretamente da província de Maputo.
11. Maconde – Tribo da zona norte de Moçambique, concretamente da província do Cabo Delgado.

Tembi já era minha!


Provara aqueles lábios com sabor a mel um dia, mesmo submerso da minha imaginação, surpresa pela confrontação dos factos.
Provocara de mim aquilo que antes não sentira com nenhuma mulher!
Era Tembi!
As tardes escuras das ruas feitas de capim, faleciam sob andar redondo da menina que olhara apenas os homens desconhecidos, e desconhecido eram os seus belos tributos, vítimas da cobiça alheia, impossível de disfarçar entre os homens.
Todos a desejavam, os mufanas (1) da zona e outros velhos das tradições, incluindo o vovô Fabião, assimilado para Fábio pelas perseguições a juventude ultrapassada.
Olhavam-na com olhos engajados de cobiça!
Lambiam os seus próprios lábios e contorciam-se com o seu gingar, sem nunca mereceram um agrado.
Tembi, não olhara aos homens com os mesmos olhos da Xiluva (2), Nália, Maraurau e outras meninas da escola, como Sheila, Noémia e etc.
Que o diga, sempre olhara para o rebolar do seu corpo, entre a cintura entulhada aos agrados e gestos confortados de delicadeza da sua fraqueza feminina.
Lábios carnudos e oleados, seios que ainda vinham ao mundo com demasiada timidez, olhos cor de laranja e nariz sempre de pé.
Todos gemiam ao seu cheiro consumido de mpfucua (3), parecia uma seria dos pescadores nos altos mares da baia de Maputo.
Eram, Swikwembos (4) na boca dos maiores feiticeiros do Mambone, adivinhando o futuro de todos os homens e outros que a desejavam. Mas ninguém a teria.
Também a olhava!
Também a venerava como os outros Fábios e Domingunhos, das turmas!
A desejava como a mim mesmo nunca desejara!
Olhava para os seus lábios e sabia tudo que eles queriam: um beijo como da novela, claro, dado por mim!
Mas não podia.
Sei que Tembi, nunca olhara aos meus olhos.
Pelo menos, vivia ao meu lado, isso era tudo e me satisfazia, como os sons da flauta e xigubo que a minha terra despreza.
Os andares da Tembi, eram o coral dos anjos na terra que já não entende os vivos e não respeita os deuses da terra nem outros!
Eram os meus desejos sob o silêncio dos seus passos descongelados e escurecidos da vida.
Tembi andava com migo como com migo nunca andei!
Mas chegara o dia!
Numa tarde desentendida e diferente para sempre na vida dos meus beijos despercebidos!
Tembi me beijou!
Nunca antes sentira coisa igual, como naquele dia!
Aqueles lábios já não eram da deusa, eram de espíritos bravios desconhecidos, que muito mexeram com as nossas bocas!
Não tinha beijado ninguém com igual satisfação, depois da Carla!
E foram assim os meus dias naqueles dias, ao lado da donzela que todos olhavam sem desperdiço e sem saber porque, escolheu-me para efectuar o seu feitiço.
Beijo de Tembi é bom e é um feitiço sim!
Mas tudo era uma vez.
Na verdade, a donzela que é aquela menina, já não é.
Outros homens a desfrutam, e já era minha!

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Pequeno glossário
1. Mufanas – Rapazes, miúdos.
2. Xiluva – Nome que significa Flor. (em Xichangana e Ronga Xiluva é Flor)
3. Mpfuncua – maldição ou feitiço em Xisena (língua falada na zona centro e norte de Moçambique)
4. Swikwembos – Deuses ou espíritos em Xichangana e Ronga (línguas faladas nas províncias de Gaza e Maputo, sul de Moçambique.

A Assassina das Rosas Vermelhas


Às tardes passava da Escola Industrial primeiro de Maio, na capital de Maputo, não estudava ali, mas gostava daquela esquina, é porreira.
Havia um jovem, cujo nome ainda vou consultar, vendia rosas, talvez de todas as cores, será possível? Bem se é possível ou não, deixo de saber ou melhor não dava para perceber, porque sempre que olhava para aquele lado, coincidia com o olhar de uma mulher, bonita e elegante, na verdade parecia uma sereia que um simples peixe, uma mulher que cativa qualquer olhar atento, com uma voz suave, um olhar bastante firme, com um tom de inocência, em fim, um cativeiro que cativa a todos.
Quando olhava para aquele lado, via-lhe sempre com uma rosa vermelha na mão, e era assim todos os dias, pelo menos quando passava.
Foi assim por muitos dias, até que num deles decidi cumprimenta-lá, e não fugia a regra, virava a cabeça com os cabelos voando, arranjava-os com as mãos, molhava os lábios e piscava o olho, para o meu sufoco, sempre levantando as rosas. Noutro dia também foi assim, até que acabei ganhando coragem e perguntei-a:
- Entre você e as rosas, qual é a intimidade que existe? Principalmente as daqui do...deste rapaz!
- Aceitas uma?
- Não obrigado. Não vejo o porquê.
- Bem, prefiro não existir – retorquiu a cachopa de decote assustador e retirou-se da minha frente.
Oportunidades de vê-lá não me faltaram, só que dessa vez infelizmente não foi na esquina das rosas, aliás era uma esquina de rosas sim, mas diferente à do costume, no cemitério.
Não tive coragem de olha-lá duas vezes, nem se quer a cumprimentei, estava de luto e aos gritos rebolando ao chão. Diante do susto da donzela, não restaram-me alternativas, diferentes às de salientar com migo mesmo sobre a triste perda que a Rosinha teve. E assim foi, quem não desperdiçou foi o coveiro que estava do lado direito, por sinal escondendo - se de alguém, um daqueles rapazes que sempre tem pendentes no cemitério.
- Essa daí...acho até que a direcção do cemitério vai construir-lhe uma residência aqui dentro – comentava o coveiro comum ar familiar.
- Já o fizeram para alguém antes?
- Não, mesmo se o quisessem, no mundo, até pode se morrer a sério, mas não temos um cliente tão acídulo como esta senhora, sempre daria no mesmo, concluiu.
Amedrontado, fiz–me de contrário dos seus comentários, ausentei–me do seu lado simplesmente. Não que as suas palavras tenham me intimidado, mas qual é a verdade que não dói a ninguém?
Um dia desses encontrei–a novamente de luto, pelo que pude notar, novo e também com novas lágrimas, inteirando novo cadáver no mesmo cemitério. Não tardou para recordar–me das palavras do coveiro intrometido e perguntei para mim mesmo porque é que a direcção do cemitério precisaria de lhe oferecer uma residência por dentro?
Enquanto andava, via campas que por perto estavam, algo fazia-me entender que cada uma delas acendia o vermelho, neles só homens estavam inteirados, pelas fotografias, novos e bonitos, tanto que qualquer um que passasse percebia a perca que o pais teve, fiquei com medo, tudo parecia óbvio de mais para constituir a verdade, juro que não queria acreditar.
Talvez seja por isso que comprava e rosas todos os dias, vestida de uma maneira magnífica.
Sobe ainda que eles morriam de casamento marcado com ela e depois de uma relação sexual.

Beijo de Mulata


Rumores corriam na minha boca, trancada pelos lábios que se molhavam aos lábios de uma menina que com migo fornicou.
Não beijara ninguém antes, aliás, soubera de alguém que Adão e Eva o fizeram, mas em forma de pecado, não era divino o fazer sem que Ele autorize - Dizem os divinos.
Ao mesmo que se passava uma tempestade de calotes, olhando atentamente na doçura que não sabia qual, sem que a aprovasse com os meus próprios aprovamentos.
O meu primeiro beijo…beijo de mulata.
Era ela que vira aos meus sonhos. Que antes pensara que era de criancice, mas não era.
Era mais é, sonho dos pretos ao mesmo tempo, sabia-se que não se devia tocar na filha de cor branca, muito menos a dos Ferreiras.
Não se podia tocar, brincar, muito menos namorar as brancas “gostosas” namoradas por homens sexuados.
Ninguém. Menos eu. Embora não tenha conhecimento da historicidade das intrigas que em tempo desuniram a humanidade: homens e mulheres.
E era assim: apenas que se convivesse preto com preto. Contaram-me os antigos.
Mas não crescera com essas profecias. Aprendera que ninguém se podia  desigualar de alguém.
Todos éramos todos ou éramos ninguém.
Carla também era assim.
- Uma mulata misturada com negros?
- De onde é!!!?
- Nada de brincar com filhas de brancos!
Todos aconselhavam em jeito de ameaça.
Ninguém acostumara-se com uma branca que estivesse no meio de todos. Ninguém mesmo.
Nem eu me aproximara dela.
Mas Carla não era assim. Era uma branca com sangue de escravatura.
Que ninguém o duvidasse: estudava na escola de pretos pobres, que na maioria se apresentavam a escola esfarrapados e descalços; professores que batiam a todos, mesmo envermelhando a menina que se igualava à princesa Russa.
Não podia escapar do xibalo que os seus antepassados não tiveram.
Brincava com todos. Não se diferenciava dos Zé-ninguém nauseabundos.
Carla era como se fosse a escrava Isaura em si (escrava branca). Não desprezara nenhum preto se quer. Eu que o diga.
O problema mesmo… é que malta nós é que a tratávamos com uma deusice.
Todos os homens a desejavam.
Nenhum homem deixava de homem aos seus olhos.
Todos queríamos ser homens, incluindo a minha limitada masculinidade, que quando submetida a ambições sexuais se pode duvidar.
Era ela a Tchanaze, a donzela de Sena. Os homens se apaixonavam a cada passo que ela passava, as mulheres se enchiam de inveja ao seu vaguear pelas bandas e os defuntos, abandonavam as tumbas ao encontro da sua gostosice que fazia todos homens verter espermas pela boca.
Era ela a Xiluva em pessoa.
Não podia me desapaixonar dela.
Era ela.
Olhava para aquela mulher como se visse comida em tempo de fome, como se fosse àgua quando há sede.
A cada olho que olhava deixava de ser eu.
A queria como se de mim não quisesse mais.
Sentia-me amando aos 12.
Eu morreria logo que a tivesse, para não mais amar.
Carla também me queria, eu sei.
Carla olhava-me como se alguma coisa eu fosse, eu via.
Os olhos dela diziam-me e eu ouvia.
Nunca mais vi o olhar igual.
Vi a menina se contorcendo de desejos de me ter como se fosse o inferno a espera dos pecadores.
Como se fosse o cemitério a espera de defuntos.
Nunca vira o olhar igual na vida. Era apenas o da Carla.
Carla amava-me, eu sei.
Isso era tudo que não podia duvidar.
Carla me beijou e eu não podia me imaginar.
Nunca antes sentira gosto igual.
Na mesma hora, ela dizia também o mesmo. Eu sei.
Carla amava-me.
Beijara aquela boca em jeito de sangue nos anémicos.
E eu os queria como os homens que a uma prostituta se exaltam.
Carla me amou naquele beijo. Eu sei.
Era o Beijo da Mulata em um preto como eu.
Foi um e único que tivemos antes dela se ir.
Ela foi e eu fiquei…fiquei aqui.
Mas um dia voltaremos a nos desejar como nunca e a Mulata, me vai beijar de novo, como nunca o fizera com alguém.

Meio-dia no Tunduro


O dispersamento se exaltava com o calor de Maputo. Rabiscam-se as mentes de gente que se povoa provisoriamente entre as matas do jardim Tunduro.
Eis o palco onde muitas acções se inspiram: o homem do verniz passa olhando os dedos das senhoras; os revendedores de recargas vagueiam à procura de clientes, estes que apresentam desinteresse e bolsos vazios. Não assobiam, apenas olham quando olhados e levantam as recargas perguntando: vodacom ou Mcel?
Estudantes também se exilam e compõem o provisório povoado.
São meio-dia e meia, na metade da labora, beneficiam-se também operários e trabalhadores dos monhés da Baixa.
Sentados, deitados de barriga, uns mesmo de costas viradas à frustração de não ter nada para enganar o estômago nessa hora.
De olhos fechados fingem não ver o homem dos chouriços de porco, como se todos fossem muçulmanos, mas não é isso. É por falta de dinheiro. Justificam-se os corajosos.
Outros inventam outras discrições para não ouvir o homem dos leites frescos e quibons que não para de tocar a sirene, como se fosse polícia.
O estômago rói sem dó nem piedade, surge uma vontade de roer os dentes e de não olhar para alguns mulatos que comem pão com badjia. Irrita-me ouvir conversa de alguns casais que lembram-se, nos meus ouvidos, sufocando o calor, sede, fome e qualquer outra coisa com a sua astúcia indiscreta.
São treze. Enche o Tunduro. Mais homens sem opções aparecem.
Alguns folheiam páginas de papéis, outros com caneta na mão rectificam cálculos, mas há quem prefira manusear o celular, organizar as roupas para voltar a disputa de clientes na Guerra Popular.
Alguns vagueiam de um lado para outro: uns são repórteres da AIM (Agência de Informação de Moçambique) e outros da RM (Rádio Moçambique) lá de cima, uns são mesmo de baixo. Todos circulam. Esbarram-se entre amigos e alguns desconhecidos saúdam-se desconfiados de conhecidos.
Doutro lado os fotógrafos alimentam alguma esperança, se virá algum cliente! Mas só pode ser branco, nós negros não tiramos fotos com fome, nem as uma da tarde. Quando há muito sol ficamos mais feios e cheiramos mal. Assim não pode tirar foto.
Alguns amantes se beijam, ignorando todos olhares e enfrentando as horas, o calor e o silêncio que domina o espaço. Não meditam. Amam-se.
O sol aproxima-se dos bancos que rodeiam o correcto dos Msahos – timbilando a arte da escrita. Lembro-me do Calane da Silva e Gulamo Khan. Tempos que não vivi. Os Msahos que levavam qualquer um ao jardim para ouvir poesia aos últimos sábados de cada mês. Não vivera esse tempo. Bons foram esses tempos. O quanto foram bons!
De resto Tunduro é mato. É mato mesmo. Onde ficam muitos negros como se fossem selvagens. Ah! Brancos também já vão. Ah! Parecem selvagens também! Por que mato ficam animais selvagens, pois não!!?
No Tunduro habitam Mochos, lagartos e outros répteis. Mas de repente há gente que o habitam. Gente de todos níveis. De várias etnias. Chopi, changana, Nyungué, Nguni, Macondes e etc. Todos. Pretos, mulatos e brancos.
Gente da nossa terra ou não. Pobres ou ricos, mas fazedores de várias opiniões públicas, porque alguns microfones, de quando em vez abrem-se por ali.
Eu também me inspirei ali. No Tunduro, claro.
Matem o Tunduro para ver o que acontecerá ao meio-dia em Maputo.

2.6.11


Não vira seu rosto
Não olhara seu corpo
Nem a sua voz me reconhece
Mas o meu coração
                              [este maldito cujo filho de mussatanhoko¹]

Fez-me cuspir amores pelos ares
Pelas veias
Faz circular vontades
Pelo pensamento
Torna esta mulher presente em mim.

E uma autêntica massiguinta²
Instalou-se na minha vida
Ambição pelos lábios dela
O desejo de a possuir
A alegria de ama-la
E a loucura da sua inexistência!

Um dia ela virá
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Glossário:
1.Mussatanhoko – Filho da mãe!
2.Massinguita – …que dá azar!

Quando a minha mãe voltar



Vou chama-la de mãe
Vou chorar como bebé
Adoecer para me curar com o seu amor
Embalar-me no seu colo
E pedir socorro sempre que quiser.

Quando a minha mãe chegar

Vou abandonar a minha mãe rua,
Esconder-me da lua,
Zanzar pelos cantos do teto da minha casa
Esquecer a dor,
Fome,
Medo,
Desamparo,
Frio,
Vou esquecer tudo por completo.

Vou esquecer o papelão
A panela de xikotela
A casa sem janela
E não vou brincar de polícia e ladrão.

Quando a minha mãe estiver aqui

Vou correr sem pernas para os seus braços,
Viver de abraços
E sentir os seus mimos mansos.
Pelo canto da minha mãe
Pelo abrigo do meu pai
É a vida na rua que se vai.

Quando a minha mãe voltar…
Mamanô…
Não gritarei mais o seu nome em vão.

Quando a minha mãe voltar
E da rua me quiser tirar
Não vou negar
Levarei com migo a Maria Xiteratuine
Para com migo casar,
Não mais sonharemos na vontade dos ventos
Dormindo ao relento
Vamos para casa da minha mãe.

Solidania


Vida sem voz
Desarticulada
Alma trancada
Fechada

Como o entrar do sol


Entrar que entardece


Entrar que faz parir a noite.

Idas sem voltas
Em volta circulam dissabores
Solidão.

A vida mais uma vez afogou-se noutros viventes
E eu?

Lembranças
Invocam-se em pensamentos calmados
Distância
Que vem com arrepios
Já não me esqueço dela.

Apenas disperso-me doutras
A espera de nada
Apenas da saudade amiga.

Saudade madrinha
Exaltada com gritos
De ontem e hoje
Sozinho sem mim.
Em pura solidania!