Éramos criançasApadrinhados pela fome,Isolados do banquete.De camisetas de umbigo foraJeans rasgadosMas não era moda,Era a desgraça debuxadaEm nosso seminu corpo.Pálidos, desnutridosEnterrados no arealNa roda de matacuzanaEm equipas para jogar xingufoSorridentes brincávamos.Éramos crianças
Francisco Júnior
E éramos crianças, eu e Marcinha,
antes do abandono dos inhas, de mãos
dadas para o horizonte, de mãos dadas para o além, de mãos dadas no ntumbeleluana atrás da casa de caniço do
mulato, escondidos da vergonha do mundo, apossados pela paixão da idade, no
coito da paixão miúda. Quem diria que hoje essa menina seria Márcia!
E as lindas noites de lua
cheia, errantes pelas horas que não as víamos passar, crianças que éramos
empoeirados depois do banho forçado às 17 horas, agrupados na rua em pleno 10
da noite e por vezes, duas da manhã nas noites de Dezembro.
E éramos crianças, meninos
pobres do pacato Patrice que o vimos a ser apossado de gente e de epidemias,
sarna, diarreias, matequenhas,
gravidezes e loucuras. Ah! Nostalgia sinto quando nesses tempos navego, quando
desses momentos me lembro. O Henrique, filho do velho Fúndjua, o rebelde e
reguila que torturava e atormentava a todos com sua porrada, feiura e agiotagem
já aos 15/17 anos; das dívidas que cobrava à gente mais nova sem que o devessem;
da tareia que deu ao Netinho, este por sua vez, queixava à sua mãe, tia Lalate,
que saía à rua com fúria de cão, o Dox da minha casa, morto por vayives da zona, e lutava com o Henrique
diante dos aplausos de toda a rua, crianças e adultos arruaceiros, ao estilo do
nosso suburbano modo de viver no Patrice.
E era um caminho, esse que o
Henrique escolhia, das pedradas que deu ao Lopes quando o xingondo se recusava de pagar o habitual imposto de circulação pela
rua. Um dia, tirou com uma garrafa partida, olho da sua cunhada e afugentou-se
para África do Sul, onde se encontra até hoje, supostamente com seu irmão
Mathumana, outro conhecido cobrador de tributos.
Ah! Lembro-me do dia que ele
nos encontrou nos derradeiros momentos do madjokodjoko
entre eu e a Helena, sua irmã que, cansada de reprovada mais de 3 vezes na
sétima classe, optou também pelo jone,
voltou depois de um tempo e engravidou do primo com a idade ainda por explorar.
Lembro-me do Pala que no madjokodjoko na barraca de chapas de
zinco soldado por seu pai, tio Zefanias, já falecido, em que estavam também, o
Simone e Netinho, negou de fazer com Helena, a vizinha, queria fazer com sua
irmã, Nina, esta que hoje já conta filhos ainda na flor da idade. Nem se quer
era problema fazer madjokodjoko com
própria irmã, éramos crianças e só entre nós ficou o segredo, no entanto,
reféns ao agiota Henrique, que por muito tempo nos chantageava.
Lembro-me também, por causa
dessa sessão, da má fama que tive na altura por não ter feito a circuncisão.
Aliás, lembro-me do quão, Simone, Pala e outras crianças sofreram na tesoura do
vovó Banze, enfermeiro que vive na zona quem se responsabilizou por cortar os
bichos do pessoal. Simone passou os dias de capulana e andando de pernas
abertas saltitando de dor em cada tocadinha que dava no seu bicho. Todos nos
ríamos. Não do sofrimento dele, mas da graça que tinha vê-lo naquele embaraço.
Mas éramos crianças, na
hegemonia dos tempos, vendo tudo a acontecer com a nostalgia que tais factos
mereciam na nossa inocência, quando pulávamos de casa em casa pedindo assistir,
entre sins e nãos da minoria vizinhança que tinha condições. Quanto a mim, o
televisor preto e branco da minha casa, tão pequenininho, mas cabendo a gente
de quase toda rua, já tinha avariado.
Lembro-me das laranjas da casa
da tia Artmisa, a casa que com muito carinho deixava-nos assistir as tão amadas
por nós, novelas brasileiras, furtávamo-las enquanto saíamos. E éramos apenas
crianças!
Lembro-me de quando jogávamos
a bola defronte a casa do tio Pedro, pai do meu sobrinho mais velho Luís, do
Francisco, Rosinha, Amélia, Florêncio, Guilherme, Ngelina, Ngeli, Ngeu, Pedó,
Miloca e Mevasse, a chará da tia Vitória esposa do tio Manhiça, o polícia.
Mateu 7, a vovó Rosalina pegava na bola improvisada de trapos, quando entrava
no quintal da casa, para depois incendiá-la e em jeito de proclamar a sua
vitória, chamava-nos e reunia-nos em volta daquela fogueira e repetia o seu
sermão que lhe fez merecer o evangélico nome de Mateu 7 “é proibido jogar em
frente da casa”. E mesmo doutro lado do seu quintal reside o tio Luís, o que
bebia e insultava por toda a rua e algures. Este também nos impedia de jogar
ali, embora estivéssemos connosco os seus filhos, Paíto, Genito, Lulu e
Djossefa, filhos das suas esposas, a tia Palmira e Laurinda, está última já nos
cuidados divinos.
Foram tempos. Tempos que
éramos crianças e “desentendidamente” construímos o nosso hoje.
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