Futuro poeta
Andei perdido
Nos escombros da saudade intensa
Voltada ao seu rosto humedecido de dó
Dó de mim e dó de ninguém
Dó de um homem que ainda não é seu
…
Eu
Antes cidadão comum
Agora…
Futuro poeta
Solidania
Período pós presença
Pós companhia.
Vida sem voz
Desarticulada
Alma trancada
Fechada
Como o entrar do sol
Entrar que entardece
Entrar que faz parir a noite.
Idas sem voltas
Em volta circulam dissabores
Solidão.
A vida mais uma vez afogou-se noutros viventes
E eu?
Lembranças
Invocam-se em pensamentos calmados
Distância
Que vem com arrepios
Já não me esqueço dela.
Apenas disperso-me doutras
A espera de nada
Apenas da saudade amiga.
Saudade madrinha
Exaltada com gritos
De ontem e hoje
Sozinho sem mim.
Em pura solidania!
Disfarce da morte
Ela vem como vida,
Dor fingida,
Alma onde habita,
O lado preto da vida.
Não é vida,
É ida sem volta
Ira imposta
Pelo desespero sem resposta.
Não é vida,
É Imagem perdida,
Partida comprometida,
O escuro que assombra com asas de liberdade.
É o diabo e as suas vaidades,
Maldades,
Escravas da divindade.
É o diabo e os seus cornos,
Espalhando seus chifres,
Na boca faminta
E farta de aventuras
É o alto na ignorância do Altíssimo!
Discurso de um pré-falecido
Quando é que o amor alcançará…
Esta alma mista,
Peregrina de insólitos caminhos
De versos inconstantes,
De sentidos opostos
Como vento e a chuva
Esta alma
Possuída por espíritos da verdade,
Engajada em sentimentos reais,
Engolida pela imaginação
Onde habita o milho da caridade.
Esta alma minha
Alma deste homem,
Este homem que não é ninguém
Filho pródigo
Na busca da herança do tempo que nada deixou
Nada sobrou.
Quem tomará suas renascências?
Quem saberá da sua essência?
Quem…
Quem será o vento da sua tempestade!
De onde virão as dunas do seu deserto?
Insólito!
Conspiração total
Violação trágica
Atentado desumano
Minúsculo inquilino do inferno invadiu a terra
Não sobrou ninguém
Mas ainda há gritos
Não ouvem-se nada
Apenas choram os ares
Sem ninguém para os respirar
Muitas vidas se foram
Perdidas
Antes da hora
Que hora?
A vida tem hora?
E que horas são?
22:48
Na rua não tem ninguém
Rusga um
Sem gente
Locomovendo-se a nada.
Vai se acelerando
Buzina – pim – pim…
Algo se esquiva
Outro recua-se para evitar o pior
Mas não é gente
É o silêncio sem privacidade
Iludida pela buzina do semi-colectivo
Susto do medo
Morte da vida
Desgraça da miséria
Pobreza absoluta
É mais um
Que levou mais um
E ninguém mais falará
Porque ninguém os impede
Fazem e desfazem
Por isso que todos morremos
E ficaram eles
Com carros, travões, aceleradores e volantes
Buzinando contra a próxima vítima
É mais um
Insólito
Quando eu morrer…
Levai a minha amada para os homens,
Os meus filhos que fiquem com o além.
Levai os meus escritos para o povo,
O que sobrar que seja para quem quiser.
Na minha morte…
Na minha transferência vital,
Na minha derrota sob a vida,
Nos meus passos pelo horizonte,
Na tragédia contra a vida…
Mandem-me para avenida,
Chamem a todos,
Partilhem o meu corpo com os ladrões do Lhanguene,
Entreguem-me aos assassinos do Cardoso,
Partilhem os meus escombros com o além que levou Craveirinha,
Com a desgraça que engoliu as palavras do Amim,
O resto fica com o inferno.
Na minha morte,
Poupem-me das homilias do padre João,
Poupem-me de lágrimas que a mim não estarão a chorar,
Não quero honras de ninguém,
Nem nada…
Quero apenas morrer
Metam-me com urgência na terra faminta que me vai comer com gosto.
Entreguem-me de imediato a justiça divina.
Bem longe de mim
Distante do colo da minha mãe,
Abandonado pela poesia
E Engolido pelo silêncio profundo.
Último adeus
Aos Chichavas
Um bando de dor se excitou,
Lágrimas em versão dos hinos celestes,
Buscavam o momento do adeus último.
Diante de mim, estava a nova habitante do além
Do poente
Do fim
Da noite que não amanhece.
De doloroso
Nascia no escancaro,
A tumba
O túnel do abrigo na morte.
Mais uma vida se rendera aos deuses assassinos
Desta vez
Foi em Junho.
Aos meus olhos
A pirâmide esquivou-se do mortífero Setembro…
Quem sobrou….
O que ficou?
… A maldita que engolirá a minha mãe?
A peste que cobiça o meu pai?
O próximo é desconhecido
Mas existe
E a peste o levará para onde quiser
Miserável
Manuelito!
Passa fome. Passa frio. Não tem vizinho. Vive só. Sem tom nem voz. Ao relento – nas esquinas do Patrice – como esqueleto. Quando quer é alegre, mas sempre se entristece. Geme de frio lambido pela fome. Anda. Fala. Mas não sente, nem ouve. Apenas vê. E só vê o que vê. Vê o que quer. Brinca com quem quiser, mas ninguém é seu amigo. Todos o conhecem, mas ele, a ninguém reconhece. Às vezes canta, mas não entoa hino nenhum.
Manuelito é ninho sem passarinho. Caminho sem gente. Ngalanga¹ sem dança. Terra sem nação. Vive sem noção.
Manuelito não tem razão.
Vive sem protecção. Mas é gente. Sofre com o que não sente. Chora por quem não conhece. Seu dia não amanhece. Todos o conhecem, mas a ele, ninguém reconhece. Por isso que enlouquece.
Manuelito é louco no meu bairro e lúcido em qualquer lugar!
1. Ngalanga – tipo de ritmo e dança tradicionais.
Quando a minha mãe voltar
Aos meninos da Ilha
Vou chama-la de mãe
Vou chorar como bebé
Adoecer para me curar com o seu amor
Embalar-me no seu colo
E pedir socorro sempre que quiser.
Quando a minha mãe chegar
Vou abandonar a minha mãe rua,
Esconder-me da lua,
Zanzar pelos cantos do teto da minha casa
Esquecer a dor,
Fome,
Medo,
Desamparo,
Frio,
Vou esquecer tudo por completo.
Vou esquecer o papelão
A panela de xikotela
A casa sem janela
E não vou brincar de polícia e ladrão.
Quando a minha mãe estiver aqui
Vou correr sem pernas para os seus braços,
Viver de abraços
E sentir os seus mimos mansos.
Pelo canto da minha mãe
Pelo abrigo do meu pai
É a vida na rua que se vai.
Quando a minha mãe voltar…
Não gritarei mais o seu nome em vão.
Quando a minha mãe voltar
E da rua me quiser tirar
Não vou negar
Levarei com migo a Maria Xitaratuine
Para com migo casar,
Não mais sonharemos na vontade dos ventos
Dormindo ao relento
Vamos para casa da minha mãe.
(poema premiado na Itália)
Nestes dias…
A dor amanhece em ventres mendigos,
O peito se entristece de vazio e o silêncio permanece
Nestes dias…
Lágrimas se exaltam
Águas da vida oferecida a nós:
Nós que vivemos,
Nós que vamos morrer.
Nestes dias,
O amor se foi – foi o amor e quem virá?
O amor cala-se e vinga-se.
Nestes dias…
Choramos – lágrimas nossas e lágrimas do mundo.
Choram deuses e diabos
Santos e malditos
São dores da mesma geração:
Geração de outrora e não destes dias.
Nestes dias…
Nem nós, nem eles
Nestes dias nem ninguém.
Nestes dias,
Lacrimejamos vivos sob o silêncio doloroso do além
E além de nós só a morte.
Versos perversos dispersos
Apenas exógeno
Sem nenhum motivo
Eles foram
E cá não mais voltaram
Não levaram nada
E nem deixaram
Apenas se foram
Versados do vazio
Em silêncio profundo e mortífero
Apenas foram
Em marchas moras
- Muito bem ensaiados -
Sem discursos nem percursos
Embriagados de uma razão ainda por haver
Foram e não deixaram rasto
Nem para nós nem para ninguém
Vingança dos deuses do além
Cai sobre nós
Neste mortífero Setembro
Já se foram demasiados
- No primeiro a dor foi maior
- No segundo alguém se lamentou
- No terceiro o culminar das expectativas
Quando o quarto se foi…
O terror se içou
Quem mais se irá?
…
Eis o dilema
Sem os deuses cá para responder
E inevitavelmente cai uma lágrima
Move-se de mim sem voz
Agora não mais me tenho
A maldita não me deixa fingir,
Tão triste me deixa a sua dor…
Tão líquidos me são estes olhos
Tão perto ficam as comovências
E ouvir as suas confissões,
Dilata-me o peito
Não me conheço fraco
E nunca me soube forte
Agora me é impossível dizer alguma palavra
Justo hoje que me tens como único
…
Desculpa irmão
E choram os ares que me desconhecem
Deliram os tempos
Sofrem os homens
Mutam-se as vidas
Enlutam-se os amores
Órfãos ficam
Levantam-se as lutas
Intrigas
Raivas
Medos e terrores
Enquanto isso
Vence a morte
E sorriem os deuses
Vencemos – gritam connosco
Sem comentários:
Enviar um comentário