22.6.12

Madala Pire


Enquanto andavam os tempos, cresciamos entregues aos mistérios da idade. Como é uma pessoa com barba branca? Velho e monco? Como é que se forma aquela voz quase trémula? Que juízo compõe gente daquela espécie? Todos debatíamos sobre a velhice e os velhos.
Madala Pire, era um desses que nos roubava o sossego, ao mesmo tempo que era motivo de discontração e felicidade para nós, crianças. Vivendo mesmo na casa que encosta a parte traseira da minha casa, Pire, mais velho que outros velhos, partilhava os tempos da sua terceira idade pastando cabras e xiphóngos lá para as bandas de Singathela, bairro vizinho onde até morra o David e a minha recente antiga namorada, Rosinha.
Lembro-me, e como me lembro! dos dias que corriam os nossos desejos ensegados pelo medo da idade, eu e Elzínia, na zona chamada por Rosinha, mordiamo-nos os corações cobiçando-se mutuamente. Conheci-a enquanto caminhava para a escola secundária, lá no bairro São Dâmaso, eu fazia a minha oitava e ela a nona. Elzínia é inteligente, isso que não se negue. Elzínia é linda e elegante, isso que não se negue. Elizínia era também tímida e inocente, isso que também se aceite. Foram esses encantos que me levaram para seu canto. Foi o seu falar silencioso e andar desapegado às pegadas que me levaram para junto de si. Eu queria de verdade a Rosinha. Eu a desejava de verdade. Elzínia era motivo da minha vaidade. Crescia aos seus olhos e ao seu andar lá por onde os cabritos do velho Pire comiam o capim verde e fresquinho.
Quando passasse da rua, lá para o anoitecer, com os seus dois cabritos, toda criançada reunia-se a sua volta, gritando seu nome: vovó Pire, vovó Pire!!!. Cantávamos e dançava-mos o seu nome que agora já a caminho de ser velho também, faz-me achá-lo semelhante à palavra Primo. Os velhos do meu suburbano bairro também tratavam primos de pirima. Ah, ainda a bocado tive um colega na Escola de Jornalismo que de apelido era Phiri, ele é natural de Quelimane.
Mas o verdadeiro Pire, o madala da rua “P” de trás da minha casa, era mesmo um mistério. Uma velhice à semelhança do nwa massaia, madala Sitoi e Balimone, este último avó de Tucha, minha primeira dama, que nos conhecemos enquanto eu fingia-me saber e gostar de jogar a bola. Tucha era a fonte de inspiração de muitos miúdos da rua, incluindo, principalmente, os mais crescidos e já conhecedores do sexo, como os Sanito, Paíto e Xandito. Mas Tucha já me tinha escolhido. Queria eu, Dodoca menino que tão pouco se importava com missivas sexuais. Apenas o ser criança me cabia. Queria jogar sem saber, cantar as canções da pequenada e fazer o teatro no 1 de Junho como era de costume na escola primária que frequentava na altura.
E Pire, enquanto atravessasse a nossa rua, rua “O”, todos corríamos ao seu encontro cantando o seu nome. Ele correspondendo nalgumas vezes e noutras não. Mas era um madala, muitas vezes até metido a espertalhão.
As grandes bocas, contam que Pire era um velho que não se deixava dominar pela idade. Diziam que Pire, quando passasse por um grupo de senhoras todas elas ficavam molhadas ! Isso é verdade e ainda vos digo, vocês, as senhoras contam que sentiam uma exitação exacerbada. Como se algo les acarenciasse. De seguida, já se sentiam penetradas, o seu orifício gotejava a respectiva saliva da satisfação. Gemiam. Berravam e ficavam assoladas por um prazer invisível.
Era Pire - contavam elas - o madala Pire, tinha massónica. Comia mulheres de dono através de remédios. Dizem que isso é que lhe tornava um pouco jovem e que se não tivesse acesso a tais hábitos, saía escamas por todas as partes do corpo, incluindo nos órgãos genitais. Isso de escamas, confirmo. Pire tinha makhwakhwarimba. Escamas. Parecia peixe de tanto subcarneamento. Parecia Mingas, a filha do tio Luís que quando comesse peixe da água doce saía também escamas. Conta’se que os Ngunis também são assim. São irmãos de peixe e não se podem comer. Mas para vovó Pire, isso acontecia quando não usasse as suas massónicas. Mas logo a seguir escolhia uma vítima e a penetrava invisivelmente. Satisfazia-se do sexo alheio. Muitas foram as mulheres que terão tido filhos de Pire.
Mas vá que descoberto, todas começaram a distanciar-se do velho! Já percebiam que os gemidos vinham da aproximação com o velho.
As grandes bocas, contam ainda que abandonado pelas mulheres que já não ficavam próximas de si, o velho pautou por fazer sexo com as cabras! É verdade. Pire mantinha as cabras como fonte de satisfação sexual. Penetrava-as.
Tudo isso, criança que éramos, nos assustava! Começamos também, nós os homens, a temer madala Pire.
E lá foram os dias. Pire ia envelhecendo até que Deus o queria por perto. Primeiro morreu numa tarde em que a notícia se espalhou logo-logo. Todos tomamos conhecimento e foi mesmo uma notícia na boca do estômago. Um choque. Madala Pire morreu!
De noite, já criadas as condições de se decidir o seu velório e com toda sua família reunida acompanhada pelos populares residentes do patrice, com o corpo a ser preparado para que na manhã seguinte fosse a enterrar, eis que o insólito acontece… o morto levantou0-se e pediu comida. É verdade. Madala Pire terá recusado ou inventado a sua morte? Verdade ou mentira, ficou espalhado pela zona que o velho terá inventado a morte por sentir fome.
Num outro dia, passado algum tempo, o velho voltou a bater as botas, dessa vez ninguém se importou. A notícia rodou por toda a parte, mas todos achavam motivo de graça. Mas dessa vez, o velho foi até a tumba. Morreu. O seu enterro vou afluído pelas massas, conhecidos e desconhecidos curiosos em saber se Pire morreu de verdade ou é mais uma daquelas suas invenções. Eu próprio, na minha pequeneza, terei perguntado se dessa vez terá morrido de verdade ou não. Mas na verdade madala Pire morreu. Inclusive, os seus cabritos, terão desaparecido com o sucedido. As grandes bocas falam que usava-os para os seus feitiços e que na verdade não existiam. 

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