29.11.12

As lágrimas da vida, sorriso da Morte: um paradoxo entre a vida, a morte e Xiguiana Luz


Por: Lázaro Bamo[1]

Foi com grande honra que recebi a proposta de servir o wellcome drink do lançamento da primeira obra literária de Dodoca, nome com que é chamado Eduardo Quive nas ruas de Patrice Lumumba, mas que por medo da morte e do que ele mesmo escreve, prefere que nas lides literárias seja chamado Xiguiana da Luz.

Eu já li o livro dele em vários momentos, até antes dos versos desta poesia sinistra passar para o papel; eu li esta poesia nos gestos e discursos de Dodoca, ou seja Xiguiana da Luz, quando com ele trocava impressões em vários momentos no bairro Patrice Lumumba e nos deadline do programa Matolinhas, que ele chegou a colaborar; eu li este livro nas actividades culturais que este jovem oriundo de Patrice Lumumba, levava a cabo na Escola Secundária da Zona verde, arredores do Município da Matola.

Um aspecto relevante que pode estar por detrás desta escolha de Dodoca, Lágrimas, Morte, Sorriso, Vida, etc, é a morte do seu pai que aconteceu este ano. Paz a alma do malogrado. A morte do pai do Dodoca acontece numa altura em que este autor também deseja partir. Talvez a questão seja, porque uma apresentação sobre a morte do poeta e do seu progenitor? Esta é questão que os leitores farão a si mesmos e ao Xiguiana da Luz, porque nesta obra e pelas vertentes de abordagem sobre uma das fases mais cruciais da vida humana, a morte, Eduardo Quive nos leva a conhecer os dois lados da nossa existência num sentido poético repleto de sangue e terror.

Porque sangue? Quive vem escrevendo este livro já há alguns anos. Nos passeios e conversas dizia que escrevia sobre a morte, e em algum momento sentía-se que ele tinha olhos postos a precária saúde do pai, relatam os amigos mais próximos. Aí está um fenómeno de maior destaque na poesia deste jovem, a perspectiva profética do seu pensamento.

Dodoca, ou seja Xiguiana da Luz teve a sorte como muitos de nós, de crescer na Matola peri-urbana e ver e viver a solidão de muitas pessoas acompanhadas; teve sorte de ser vizinho da Matola rural e assistir a cerimónias fúnebres nos cemitérios familiares espalhados por Singathela, Bedene, Bunhiça, São Dâmaso entre outros bairros do Município da Matola. Uma pergunta se levanta em mim, ainda que a resposta seja óbvia! Terá sido esta realidade, que deu inspiração para que Xiguiana da Luz, escrevesse sobre a vida e a morte? No livro ele nos responde, no poema intitulado Miserável, onde fala do Manuelito, um louco do seu bairro Patrice Lumumba e lúcido em qualquer lugar.


Dodoca, envoca a morte, a vida, o medo e a incerteza para destilar a sua triste sina, que já o fez experimentar tantas mortes e tantas dores; ele não nos convida a amar a vida, mas sim a descobrir o prazer e a paz que se encontra na morte, ele auto se proclama um pré-falecido e diz que, sua alma foi possuída por espíritos da verdade, está engajada em sentimentos reais, foi engolida pela imaginação onde habita o milho da caridade.

Devido a obcessão pela morte, Dodoca, ou seja, Xiguiana da Luz, chega a fazer uma pergunta terrivel para qualquer mãe que carrega amor pelos seus filhos: Mãe, quando é que vou morrer? De certeza que a mãe irá dizer nunca, jamais, ou pelo menos que ela será a primeira. Ele não sente o prazer de viver, e aventura-se em sonhos filósoficos, sonha como o Hiperurâneo de Platão! Diz ele, e passo a citar: Queria ser assim: Negrinho de cor azul, em pele vermelha, num mundo verde.

Dodoca goza de liberdade de escolha e tem os seus motivos e argumentos, de tantos ente queridos que se foram ele aguarda desesperadamente na fila, para que o seu julgamento seja feito o mais rapidamente possível, ele quer se livrar da dor de esperar o tal dia que demora chegar, quer ser julgado imediatamente pelo poder divino e desabafa num dos poemas, intitulado Quando eu Morrer, quando diz e passo a citar: Metam-me com urgência na terra faminta que me vai comer com gosto; entreguem-me de imediato a justiça divina... Quer se juntar aos cardosos, craveirinhas e aos amin que tão cedo partiram desta terra. Além, de envocá-los no seu testamento paupérimo, que não tem nada além de versos escritos sobre o papel, Dodoca escreve no mesmo poema, ou seja, Quando eu Morrer, e passo a citar: Levai a minha amada para os homens; Os meus filhos que fiquem com o além; Levai os meus escritos para o povo; O que sobrar que seja para quem quiser.

Vejo nos poemas de Dodoca, que ele já morreu várias vezes, ele se declara um pré-falecido e para William Shakespeare, Xiguiana da Luz seria cobarde, porque segundo Shakespeare, Os cobardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez.

Sigmund Freud, ficaria feliz com a atitude de Dodoca, pois dizia ele que, Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte. E Dodoca está pronto para a morte, então as suas costas estão preparadas para carregar o peso da responsabilidade que apartir de hoje passa a ter, terá que dignificar o que escreve com actos e palavras e espero que no próximo livro possamos dessipar o paradoxo que norteia, a vida, a morte e os seus versos.

Xiguiana da Luz quer fugir da hipocrisia do mundo onde ele vive, mundo este que faz com que os manuelitos, sejam criaturas solitárias ainda que bem acompanhadas. Sobre esta fuga, Confuncio, alerta, Para quê preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro. E eu concordo com Confúcio! Dodoca, resolva todos problemas do mundo e depois faça boa uma viagem.



[1]Jornalista de profissão com carreira feita na Rádio Moçambique mas com colaboração em semanários como, Savana, Magazine Independente, Zambeze, @Verdade. Actualmente é Técnico de Comunicação no Centro de Apoio à Informação e Comunicação Comunitária – CAICC, um projecto do Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane, que apoia as rádios e centros multimédias comunitários de todo País

8.11.12

A morte de Eu!




Eu era forte e cheio de esperança em cada passo da sua vida. Limpo de cabelos crespos, Eu, era aquele que movia-se sem destino de cabeça erguida sem questionar as circunstâncias, sem medo do tempo, olhava a vida como única.
Espírito pluramente positivo, descia ao baixo para mais alto se elevar. Eu era aquele que era criança adulta na rua até as altas horas na procura de esgotar do produto de patrão Suzete, para ter quinhenta de comida em casa. Eu, era ele sem si quando anoitecesse sem que pudesse fazer algo para esquivar-se da vida medíocre que vivia no Xiphamanine. Lavrou a terra no Mambone, pescou na barra de Limpompo e sobreviveu os mais de sete afogamentos quando enfeitiçado pela velha M’Tente. Este menino Eu é mesmo esperto mesmo na pequeneza, conseguia enganar a vida como se engana um estômago faminto ao meio dia no Maputo onde se encontrava antes de morrer.
Treze dias antes da sua morte, Eu, passava pelo cemitério de M’Xitsena e bicava a sua única avó conhecida que morreu nas últimas cheias. As bocas sem silêncio contam que a velha morreu depois de lutar com a água na boca que teimava a entrar. Entrou-lhe por todo o sítio, pela boca, olhos, nariz, orelha, até pelos cabelos. O precioso líquido li valera alguma pena, pelo menos agora, morta a doze anos, Eu quando chega no Maputo na sua primeira vez, quis conhecer M’Xitsena para dar filori à vovó.
De seguida, como um passo para a frente, Eu, saiu para a rua e tentou fazer negócio. Fazia parte do seu eterno juramento que Maputo seria o espaço da sua subida e melhoria de vida. Ainda a pouco, lembrara-se da avó.
“Meu neto, quando você crescer vai ser grande, gente como aqueles que estão no Maputo. Viverás em casas sobrepostas, cartarás água pelo copo e não pelo bidom. Sairás em todos noticiários e viajarás pelo mundo como se tudo fosse teu.”
Incrédulo, Eu só volta a replicar a resposta que deu à avó na altura “Eu!?”. E assim ficou Eu. Eu morreu de susto como sua mãe que engoliu a terra na indecisão dos tempos futuros. Eu era mulato sem bandeira e sem país, filho de um candongueiro monhé cujo nome ainda se procura pelo mundo. Eu, era tão apátrida que nem em si tinha lugar para viver. Eu era só, sem ninguém, repartido pelas divisões do mundo transcendental das flores que beijam o dia e o sol que assa as costas pretas da sua avó, única garante da sua sobrevivência. Mas Eu, mesmo temendo-se no meio desse nada, cumpriu a sua meta, viveu e morreu ou vice-versa.