8.12.11

Ensaio para um possível beijo

Hélia, menina de olhos castanhos e meigos. Sua voz, um suspiro de orvalho. Os seus lábios um segredo ainda por se revelar. Seu corpo, exímio quanto uma semente que brota perante o céu despido. Ainda por se galgar, está o sabor das suas mãos. A muito se escondera na minha alma.
Um dia nos encontramos em algures. Obras do acaso? Talvez fosse o contrário. Mas a verdade é que em tempos de tão ardentes desejos, apenas resta-nos a sorte, para junto de nós, chegar a pertitude. E nesse dia chegou.
Estávamos lacrados no meio de um percurso. Olhando nos seus olhos, galgando pelo seu paradisíaco corpo, implorei por um milagre: um beijo. Não era possível me calar e foi justamente nesse dia, depois de vários encontros que roubaram-nos apenas olhares e sorrisos. Fora ali em plena despedida do dia, a noite esclarecendo a sua presença, e nós, justificando o nosso encontro.
Volvemo-nos em discursos. Eu em falácias desnorteados as vezes com norteio. Hélia me entendia e sorria sempre a propósito. Ela galgando a minha alma, eu encaminhando os meus desejos à oratura que me escalava. Eram vontades da Hélia.
Lá iam os nossos dizeres. Não olhávamos os tempos que andavam. Saltitávamos em mais prosas. Embarcávamos em mais gentilezas. Mas não chegava o beijo pedido. Hélia caia em dúvidas e medos de gente. Mas a vontade estava iminente em algures do seu olhar. Havia de se revelar em algures do tempo – tempo maldito – dizia enquanto suportava o meu próprio falatório. Era eu quem falava. Hélia mantinha-se serena e compreensiva. Docemente perdoava cada demora minha nas falácias e o esquecimento da vontade que eu mesmo expressara sentir.
Longos momentos. Longo falatório meu. Medo dos olhos da Hélia? Era urgente que me calasse e atentasse a sua integridade bucal. Mas carecia da oficial cedência ao tal direito. Afinal tinha expressado a minha vontade de molhar a sua boca. Mas Hélia também entrara nos meus medos. Desconversava e alongava-se no meu percurso falástico.
Mas a hora se chegava. Era importante que mantivesse a calma. Hélia já se queixava do tempo. Ele ia passando pelas nossas pernas que se queixavam da longa espera. Enquanto isso, o meu coração falava – beije-a. E eu fingia não me ouvir. Ele prosseguia – você não percebe que já é tarde para não a beijar? Ela já quer, vás a deixar assim? – Claro que não.
Mas Hélia foi mais flexível e disse-me sorrindo – só ti posso dar um selinho. Como pode? Depois de longas e trémulas falácias de convencimento?
Hélia largou os ventos e bloqueou-me os lábios por jeito do tão dito selinho. Desgraça aos homens trás esse maldito! Se não fosse ele, o meu beijo com Hélia seria beijo-de-amor. Mas não foi, apenas molhou os meus lábios com o seu lipse de sabor a morango. Ainda tentei recolher algumas salivas, mas em vão, quando dei conta, Hélia, já se tinha terminado. Estava já nas considerações finais – Tchau, disse.
Hélia, vou ti ligar. Continuo a sonhar com seu beijo, explodi já em delírios da sua despedida.

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