SEGUNDA-FEIRA
Acho que estou morto. Vivo morrendo, na verdade. Estou
perdido dentro de mim. Não encontro o chão das coisas. Tudo o que piso são
pedaços de mim. Errante e constantemente peregrino cavalgo terras e outros
mares entre as veias saturadas. Estou com o cabelo inchado, os olhos, a boca,
as narinas e os ouvidos cheios. Sinto que o meu corpo está todo cheio de alguma
coisa. As vozes parecem-me encher ainda mais. Tudo está cheio dentro de mim, do
Norte ao Sul. No Este não encontro oceanos e no Oeste nenhuma fronteira. Estou
cheio de mim. Acho que vou explodir! Vou rebentar as vivências e deixar o vazio
que é o nada que sou.
TERÇA-FEIRA
Muitas são as vezes que ando sentado, ambulante e
pedestre nas mortes que morro todos os dias quando o sol abraça o meio-dia. Não
terá enterro nem deposição de flores ao dia oitavo! Morri na hora e em parte
incerta. Cavalguei o céu em tempos em que ele estava nu e de costas viradas,
embarquei com o sol ao meio, diante de canaviais enquanto outras barrigas
negras rachavam centenas de vãos. Morri sentado com a minha gente imóvel. Olho
o infinito, conformado com a tão estranha morte que morri no romper do dia,
quando ele atravessava o Vénus a caminho do Marte.
QUARTA-FEIRA
Metas. Morro às quartas como cidadão de quinta. Não
retorno chamadas nem dou respostas às mensagens não lidas. Mahatma morreu
sentado no seu norte. Morreu de fome de paz. Morreu de sede acorrentado de
ideais. Era à quarta que idolatrava o seu ente infiltrado num país que queria-o
liberto. Na verdade era urgente libertar o homem antes que a paz se instalasse.
Ao inverso, no meu país a paz é dada com sobras e aos homens a derrota de nunca
se saber do seu paradeiro. Mortos ou vivos tanto faz, muitas mortes ocorrem de
olhos abertos. Morro às quartas vezes pelos quatro cantos que o mundo tem e
pela quadrática forma de ser desta liberdade que me rodeia. Morro à quarta como
cidadão de quinta cujo corpo deambula pela sexta como herói que vai a enterrar
no sábado chuvoso e sem chapa 100 no Patrice que nos leve a Gongodzuene. Morro
escoltado de gente que me desconhece com rosas e cravos nas entranhas da
harmonia existencial. Fé de Cristo, de onde me conhece esta gente toda que só
exige de mim, metas!
QUINTA-FEIRA
Deixo os céus enfermos renegados pelos olhos enfurecidos
desde ao primeiro dia. Olho para o chão que se afasta. Rastejo na ilusão das
areias indefesas da saliva ardente de bebidas fermentadas com veneno. As mortes
que me escalam atingem-me dissolventes. Era suposto viver por mais um instante
ainda na correria dos solos que se afastam de mim. Corro. Canso. Meros
devaneios. Cuspamos já para isto. Cuspamos já estas vidas que comemos ao jantar
de ontem. Cuspamos já os sonhos que bebemos na manhã de hoje. Cuspamo-nos já de
nós mesmos. Puxa! Não é normal tanta birra enquanto gente vagueia sem rumo
nestes mesmos chãos que pisamos. Aqui está a quinta vez que me calo, pelas
muitas vezes que quero viver este fim do mundo. Que lutas se enlaçam na derrota
quotidiana dos homens? Muita pressa em tudo que nos rodeia, a vida e a morte
correm apressados em mesma direcção. Quem chega primeiro?
SEXTA-FEIRA
Não conheço outras vidas que andaram por estas ruas.
Apenas mortos caminham o escuro desta noite abençoada, de barrigas cheias de
sangue e limão; corpos nus elevados ao mais infinito estremo da loucura, pé e
bunda sarados, corpo e cabeça inchados, olhos e cabelos na pura lengalenga dos
homens decepados antes do sol do sábado que ameaça antecipar-se. Vigarices!
Estes mortos morrerão aqui e agora ao relento, como os ventos insolentes do
Norte a Sul, rabo e juízo comprados pela bilha farta e carnes gordurosas.
Compaixão às mulheres que rezam por esses defuntos homens, no dia em que hão-de
morrer de tanta felicidade de ser pobres. Incrível! nunca vi tanta morte de uma
só vez! Esta é a única chacina em que Deus deixou que os homens terminassem o
trabalho antes de consumarem o seu instinto mortífero.
SÁBADO
Mesmo que o dia amanheça, não há luz nem energia; mesmo
que o corpo se levante, não tem voz, não tem gesto, não tem vida. Mesmo que o
dia amanheça, não haverá noite porque o escuro é este, não haverá gente porque
as gentes são estas moribundas, não haverá a vida, porque o fim é este, a muito
já escolhido pelos homens da terra. Vivo, a muito enterrado, morto, apenas a
repetição da loucura que une os homens. A
certeza de que morri e nada mais sou.
DOMINGO
Madrugada chuvosa. Manhã gelada com gente cantando. O
mungir das almas espeta o sol frio e gelado. Flores fazem a decoração perfeita
entre o jardim de rosinha e as campas seguidas de abelhas. Não há sossego
nestes chãos. Em nada adianta o além. Aquém de nós está um Deus que nos cospe
as fórmulas da morte de tempo em tempo. Deus nosso? Se não vejamos, onde está o
tio Pedro, pai de Netinho e do pequeno Leão? Onde estão os assassinos da mãe da
Yolanda que se quer teve quem lhe dissesse que tantos filhos aos 18 eram o
prenúncio da pobreza? Em que lugar se encontra o pai do Abel que não o vê a
crescer e a formar-se? Estão todos eles na igreja? Ah! Deus nosso que no céu Te
encontras, estás cansado de estar só? Leva-me
também.
3 comentários:
A morte que pensamos que virá para nos resgatar, pode vir para acrescentar-nos angústias. A morte não é a salvação. Porque não há salvação, pois não há motivo para sermos salvos. Texto lindo, introspectivo.
Achei interessante esse joguete com os dias da semana. Ousado e lindo!
E é a essa introspeção a que chamo cara amiga. A morte só é sagrada para os mortos. E enquanto vivos morremos vivos. E enquanto mortos,, morremos mortos. A verdade é que a vida tem ser de tamanha intensidade. E se não for ela nos deixa, acobardando-se no enigmático silêncio dos deuses. "Deus nosso?".
É importante essa convulsõa interna para a eternidade das coisas.
Noutra verdade, veremos que nos dias da semana se vão os dias das nossas vidas. cada dia um pedaço de nós oferecemos ao além e além de nós....
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