Já não é carro
cobrador de impostos
Nós descolonizámo-lo.
Já não é terror quando
entra na povoação
Já não é Land-Rover do
induna e do sipaio.
É velho e conhece
todas as picadas que pisa.
É experiente este
carro britânico
Seguro aliado do
chicote explorador.
Mas nós
descolonizámo-lo.
No matope e no areal
Sua tracção às quatro
rodas
Garante chegada às
machambas mais distantes
Às cooperativas dos
camponeses.
Entra na aldeia e no
centro piloto
Ruge militante nas
mãos seguras do condutor
Obedece fiel a todas
as manobras
Mesmo incompleto por
falta de peças.
- Descolonizámos o
Land-Rover (…)
Descolonizamos o Land-Rover, Albino Magaia, poeta
moçambicano.
E começo assim este
meu pacato discurso, como um verdadeiro assimilado e não falante da língua dos
ma-Changana, ma-Ronga e outras etnias que faz de nós não mulungos, esta cor branca que nos torna(rá) gente nesta terra.
Começo assim este
devaneio que me faz lembrar de uma pergunta que me é frequente: qual é a minha
língua materna?
I
A quem disse-me que língua materna é aquela que nascemos e nos é ensinada
logo a primeira, por outras palavras, é a primeira língua que falamos.
II
A quem disse-me que língua materna é aquela que me foi ensinada por minha
mãe. Aquela que quando ela, a minha mãe, quando queria que me dirigisse a ela,
a usasse.
III
A minha mãe é ma-Changana, por outras palavras, a minha mãe, nasceu em
Chicumbane, distrito de Xai-xai, província de Gaza, sul de Moçambique.
IV
Nunca se quis saber, mas vou dizer, o meu pai é também ma-Changana, em
outras palavras, o meu pai, nasceu em Novungueni, local onde graças aos heróis
tombados, e como marca da descolonização (o que tem a ver Novungueni com o
colono?) ganhou o nome de 3 de Fevereiro (dia dos heróis moçambicanos).
V
E eu? Eu nasci na Matola, província de Maputo e cá vivo. Se sou de Maputo?
Bem, no meu bilhete de identidade vem “natural de Maputo”. Mas voltemos à
questão: qual é a minha língua materna?
VI
Na verdade a primeira palavra que disse (ou que gostaria de ter dito)
quando comecei a falar, foi “mamã”! E mamã que língua é?
VII
Volvidos bons exercícios do “mamã” fui dizendo outras coisas, como “quer
água”, “quero comida”, “quer dormir com papá e mamã” e tantas outras palavras
em língua portuguesa como minha mãe ensinava assim como os meus irmãos mais
velhos e meu pai.
VIII
Saí a rua (a minha rua chamava-se rua “O”, agora, é Av. Mártires da
Machava, outros heróis moçambicanos que tomaram lugar), brinquei com Netinho,
Simone, Nina, Helena, Djossefa, Lulu, Florêncio entre outros. Todos eles,
expressavam no moderno xi-Ronga misturado com xi-Changana, afinal, Maputo é
terra dos ma-Rongas!
IX
O que sei é que a segunda língua, aquela a que os meus amgiso falavam, os
meus irmãos disseram-me que era Dialecto. E quando a minha mãe me ouvia a
falar, deva-me uma tareia dizendo “não fala a língua de cão”. Aliás, quando
descobriram que eu ia falando alguma coisa daquilo, proibiram-me de sair de
casa.
X
Quando comecei a estudar História (5ª classe) no capítulo que falava da
dominação colonial portuguesa em Moçambique, vi que uma das formas dessa
colonização era fazer com que os moçambicanos abandonassem a sua cultura, a tal
“cultura de selvagens” e por conta disso, as línguas (como muitos outros
hábitos culturais) foram proibidos e até definidas como a principal barreira
para a nossa civilização. Por tanto, o xi-Changana e outras línguas nativas
passaram a ser conhecidas como línguas de cães e, como tal, não podia o Homem,
tido como único animal racional, falar.
XI
A minha mãe tal como outras mães que sabem “o que custou a liberdade”
teceram que só conhecendo o Português é que se podia ser gente na sociedade.
Realmente isso é um facto, descolonizado que foi o Português, já no
Pós-colonial que vivia-se (ou vive-se) em que ele foi revogado como língua
oficial, era de capital importância massificá-lo e fazer com que todo
moçambicano o falasse.
XII
Voltando a questão: qual é a minha língua materna? Bem, volvidos anos de lá
até cá, aprendi que embora tenha falado a primeira o Português, ele já mais
será a minha língua materna. A minha língua materna é o xi-Changana, essa
língua de cão que os meus ancestrais, os vovô Txutxululu, Gutleia, Bovane,
Muntimuni, Injuasse, Nlhevo e Nambita, este último meu chará de tradição,
falaram. E aquela que desde ao ventre da minha mãe, me foi ensinada e hoje,
falo com orgulho de poder partilhar o que sou com outros povos, ciente de onde
venho.
XIII
Hoje, aliás, mesmo o Governo está ciente da importância das línguas
nacionais ou línguas nativas, tanto que já está em implementação o ensino
bilingue em todas escolas primárias.
XIV
Em jeitinho de conclusão, posso (ou podemos) dizer que só agora, com essa
consciência, em mim (como pode ser em qualquer cidadão moçambicano), é que
ultrapassamos o período pós-colonial em Moçambique. Período em que faltava que
nós, nos descolonizasse-mos de nós mesmos.
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TEXTO DA MINHA ESTREIA NA REVISTA ELLENISMOS COM A COLUNA XITIKU NI MBAULA, DANDO AO MUNDO O SAL DO MEU SOLO PÁTRIO.
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